2024: um ano de muitas turbulências nas redes sociais
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2024 foi um ano turbulento nas redes sociais. Elon Musk disputou um cabo de guerra com o Supremo Tribunal Federal (STF) – e o X (antigo Twitter) acabou suspenso. Milhões de usuários migraram para outras redes sociais. O STF retomou um julgamento que pode mudar o futuro da internet. A inteligência artificial (IA) generativa chegou às redes sociais. E o TikTok continuou sua luta para evitar o banimento nos EUA.
Para te ajudar a assimilar o que aconteceu ao longo deste ano no universo das redes sociais, o Olhar Digital fez duas entrevistas.
Numa delas, Roberto Spinelli contou como foi sua experiência neste furacão. Ele é físico pela USP, com especialidade em Machine Learning pela Universidade Stanford (EUA) e pesquisador na área de IA.
Na outra entrevista, a reportagem conversou com Plínio Higasi, Fernando Ramalho, Henry Adaniya e Hélio Tomba Neto – advogados da Higasi, Shimada, Leal & Guimarães Advogados. Eles explicaram as dimensões jurídicas dos principais acontecimentos (suas declarações não refletem, necessariamente, a opinião do escritório de advocacia).
Da suspensão do X ao possível banimento do TikTok: o furacão de 2024 nas redes sociais
O Olhar Digital separou os seguintes acontecimentos relacionados a redes sociais para repercutir com os especialistas:
- Suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil – e o cabo de guerra entre Elon Musk e STF;
- Migração de usuários para Threads e Bluesky;
- Chegada da IA generativa às rede sociais (Meta AI e Grok);
- Julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet no STF;
- Possível banimento do TikTok nos Estados Unidos.
Suspensão do X no Brasil
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a suspensão do antigo Twitter no Brasil em 30 de agosto. A rede social ficou suspensa até cumprir ordens judiciais, pagar multas e indicar um representante legal no Brasil.
Na época, o X tinha desobedecido determinações da Justiça para tirar do ar perfis com conteúdo golpista ou de ataque às instituições democráticas.
Spinelli contou que a suspensão da rede social teve um impacto negativo em sua rotina profissional, pois ele usava a plataforma para se manter atualizado sobre IA. “Passei por umas semanas complicadas para me atualizar, mudei a rotina por conta disso, tentei buscar outras opções.”
Hélio Tomba Neto, um dos advogados entrevistados pelo Olhar Digital, afirma que a suspensão do X no Brasil foi uma decisão puramente jurídica. “Resumidamente, houve um descumprimento de decisão judicial, isso foi reconhecido pelo Judiciário e foi aplicado multa e sanção.”
Segundo o advogado, isso poderia ter acontecido com qualquer plataforma que descumprisse uma decisão judicial. Como exemplos, ele cita Telegram e WhatsApp, que já foram bloqueados no Brasil por motivos semelhantes.
Para Hélio, o caso demonstrou a atenção do Poder Judiciário, especialmente o STF, às questões relacionadas ao direito digital – o que considera uma conquista importante para a área.
Plínio Higasi, outro advogado entrevistado, observa que a questão se tornou uma “queda de braço” desnecessária. E conclui que o caso serviu para reforçar que a legislação brasileira se aplica a todos que desejam atuar no país.
Migração para Threads e Bluesky
Em meio ao cabo de guerra entre Musk e STF, milhões de usuários migraram para redes sociais parecidas ao X (Threads, Bluesky, Mastodon). No caso do Brasil, foi uma questão de sobrevivência, por conta da suspensão determinada pelo STF. Mas o mesmo ocorreu em outros países, como os Estados Unidos.
Numa reportagem sobre as mudanças nas redes sociais em 2024, o The Verge apontou a fragmentação do cenário social online após o declínio do antigo Twitter. Segundo o site, não existe um “novo Twitter”, mas sim diversas plataformas competindo por espaço, com diferentes propostas e públicos.
Spinelli foi um dos usuários que migrou para outra rede social – no caso, o Bluesky, rede social fundada em 2019 por Jack Dorsey, um dos cofundadores do Twitter. Mas ele conta que a experiência não foi boa. Isso porque, na época, ele teve a impressão de que “as pessoas não estavam lá”.
Essas empresas [que ele acompanha no X] não publicavam lá. Os especialistas [também não]. Eu percebi que não tinha ninguém. Então, criei a primeira lista [de postagens] sobre IA do Brasil. Simplesmente porque não tinha.
Roberto Spinelli, físico pela USP, com especialidade em Machine Learning pela Universidade Stanford (EUA) e pesquisador na área de IA, em entrevista ao Olhar Digital
Em relação ao Threads – alternativa ao X oferecida pela Meta (dona do Facebook, Instagram, WhatsApp) – Spinelli está entre os que não quiseram experimentá-lo. “O tipo de engajamento, o tipo de comunicação no Threads, era mais superficial. Então, acabei no Bluesky porque as pessoas que eu conhecia mais estavam lá.”
Chegada da IA generativa às rede sociais (Meta AI e Grok)
2024 também foi o ano da popularização da IA generativa – leia-se: quando a tecnologia começou a ganhar contornos práticos (você pode dar um baita mergulho neste assunto nesta reportagem especial do Olhar Digital). Com isso, a IA generativa oficialmente chegou às redes sociais.
No caso do Facebook, Instagram e WhatsApp, por exemplo, apareceu a Meta AI. No X, o acesso ao Grok chegou a todos os usuários. Para alguns, essas novidades podem ter sido divertidas. Mas existem implicações jurídicas.
O advogado Fernando Ramalho contextualiza e explica essas implicações. Em suma, ele diz o seguinte:
- Lei de Direitos Autorais no Brasil: Apenas pessoas físicas podem ser autoras de obras literárias, artísticas ou científicas, conforme os artigos 11 e 13 da Lei 9.610/98. Sistemas de IA, portanto, não podem ser considerados autores;
- Transferência de direitos patrimoniais: Os direitos patrimoniais de obras podem ser transferidos para pessoas jurídicas, desde que essa transferência seja formalizada por escrito, como especificado no artigo 50 da lei em questão;
- Proposta para IA Generativa: O advogado sugere que plataformas de redes sociais estabeleçam regras claras nos Termos de Uso sobre direitos autorais de conteúdos gerados por IA, citando como exemplo a orientação do Escritório de Copyright dos EUA sobre requisitos para o registro de obras com IA.
O advogado Henry Adaniya complementa a fala de Ramalho demonstrando preocupação com a forma como os termos de uso das plataformas atualmente podem forçar os usuários a concordarem com a utilização de seus dados e criações para o treinamento de IA.
Adaniya observa que essa prática, além de levantar questões sobre a propriedade intelectual, tem gerado grande apreensão entre artistas, músicos e dubladores. Isso porque eles temem o impacto da IA em suas profissões e na possibilidade de violação de direitos autorais.
Essa evolução, se for desenfreada e não tiver uma legislação muito bem feita para equilibrar esses valores, poderia prejudicar de forma muito grave e até catastrófica todos esses setores. A gente poderia até ter desvalorização da cultura nesse sentido.
Henry Adaniya, advogado da Higasi, Shimada, Leal & Guimarães Advogados, em entrevista ao Olhar Digital
Julgamento sobre regulação das redes sociais no STF
O STF retomou o julgamento de uma série de ações sobre a regulação das redes sociais em 04 de dezembro. Entre elas, estava a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Segundo este artigo, as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente caso não removam o conteúdo ilícito após ordem judicial. O relator é o ministro Dias Toffoli.
Até a publicação desta reportagem, três ministros tinham votado: Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, o presidente do STF. E o ministro André Mendonça tinha pedido vista – isto é, mais dias para analisar o caso.
- Toffoli votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, concluiu seu voto pelo aumento da responsabilidade por conteúdos postados pelos usuários e propôs a adoção de um dever de monitoramento de conteúdos ilícitos pelas companhias;
- Fux também votou pela inconstitucionalidade do artigo 19. Ou seja, seguiu o voto de Toffoli, que defende a retirada de postagens pelas plataformas a partir do momento em que são notificadas e não apenas por decisão judicial;
- Barroso votou no sentido de invalidar, em parte, o trecho do Marco Civil da Internet que trata da responsabilidade das plataformas digitais sobre conteúdos de usuários. Mas seu voto diverge, parcialmente, do que tinha sido apresentado por Toffoli e Fux (você pode se aprofundar nos votos de cada um nesta reportagem do G1).
“De maneira bem simplista, o que está sendo discutido é o seguinte: existe um artigo que fala que os operadores de aplicação serão responsabilizados se eles não cumprirem uma determinação judicial para remoção de conteúdo”, explica o advogado Hélio Tomba Neto (saiba mais nesta matéria do Olhar Digital).
Ele acrescenta: “Às vezes, a gente acaba juntando na mesma noção a definição de operador de aplicação, mas não é só big tech. Um blog também pode ser considerado operador de aplicação.”
De maneira muito simplista, esse é o carro-chefe da discussão: precisa de uma ordem judicial para remover o conteúdo? Sim ou não? É basicamente essa a pergunta.
Hélio Tomba Neto, advogado da Higasi, Shimada, Leal & Guimarães Advogados, em entrevista ao Olhar Digital
Agora, o que os advogados entrevistados acham dessa discussão e seus possíveis impactos? Confira abaixo:
- Plínio Hagasi: “Se os provedores de aplicação forem obrigados a extrair o conteúdo sem ordem judicial, eles podem começar a extrair a torto e a direito, inclusive em benefício próprio. Obviamente, big techs e demais empresas podem, em algum momento, tornar isso rentável para elas. Economicamente é ótimo, mas para a sociedade não necessariamente”;
- Hélio Tomba Neto: “A melhor maneira, principalmente quando a gente vai falar sobre assuntos de expressividade, é através de decisão judicial. (…) A gente tem que ter um empoderamento, e o poder judicial existe para isso. Por isso, acho muito temerário que só uma notificação extrajudicial sirva como base para remoção de conteúdo”;
- Henry Adaniya: “O mecanismo que a gente tem agora, de só circuncidar a remoção mediante ordem judicial, é o que mais equilibra valores, principalmente a liberdade de expressão, que é o principal defendido pelo Marco Civil da Internet. O que a gente vê dos grandes juristas da área do direito é que a esmagadora maioria defende isso”.
O pedido de vista de Mendonça veio após o voto de Barroso, em 18 de dezembro – pouco antes do Supremo entrar em recesso, começado em 20 de dezembro. Mendonça não informou quando pretende apresentar sua manifestação. Pelo regimento, o pedido de vista dá aos ministros 90 dias para analisar o caso. E o recesso judicial não conta para este período.
Possível banimento do TikTok nos EUA
Enquanto isso, o TikTok luta para evitar seu possível banimento nos Estados Unidos. Em 16 de dezembro, a rede social entrou com um recurso emergencial na Suprema Corte estadunidense. Nele, pedia o bloqueio da lei federal cujo texto obriga a rede social chinesa a ser vendida sob pena de ser proibida no país.
A lei entra em vigor em 19 de janeiro, véspera da posse de Donald Trump para seu segundo mandato;
A ideia é protelar os efeitos da lei até o republicano, que prometeu durante a campanha que “salvaria o TikTok”, assumir a Casa Branca (saiba mais nesta reportagem do G1).
Em 18 de dezembro, a Suprema Corte dos EUA anunciou que vai analisar rapidamente a contestação do TikTok sobre a lei sancionada pelo presidente Joe Biden, segundo o jornal Washington Post.
Os juízes disseram que analisarão se a lei, aprovada sob pretexto de segurança nacional, viola os direitos à liberdade de expressão, previstos na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, de 170 milhões de usuários do TikTok.
O tribunal agendou duas horas de audiência especial em 10 de janeiro. E deve anunciar sua decisão pouco depois.
O advogado Henry Adaniya explica que a lei que obriga a ByteDance, empresa controladora do TikTok, a vender suas operações nos EUA até 19 de janeiro de 2025, sob pena de banimento da plataforma, é peculiar por ter sido direcionada especificamente a uma empresa.
Adaniya argumenta que se os EUA realmente quisessem garantir a segurança nacional e a proteção de dados, poderiam ter optado por outros mecanismos, em vez de exigir a venda total das operações do TikTok. Por exemplo: auditorias, leis de proteção de dados ou iniciativas de compartilhamento de dados.
Hélio acrescenta o seguinte: “O conceito de liberdade de expressão norte-americana é completamente diferente do conceito de liberdade de expressão do Brasil. As constituições enxergam de maneira diversa, o assunto é tratado de maneira diversa.”
Plínio Higasi complementa a fala de Hélio, contextualizando a preocupação dos EUA com a segurança nacional após os atentados de 11 de setembro de 2001. Segundo ele, esse passado os torna mais sensíveis a qualquer ameaça à sua economia e à opinião pública.
Higasi também aponta a eficácia do algoritmo do TikTok em manter os usuários engajados na plataforma. E argumenta que essa capacidade de influenciar a opinião pública é vista como uma ameaça pelos EUA.
Há uma convicção de que o governo chinês tem envolvimento muito forte com o TikTok, e por causa disso [existe] o receio sobre a soberania dos Estados Unidos na relação dos seus cidadãos com o uso do TikTok.
Plínio Higasi, advogado da Higasi, Shimada, Leal & Guimarães Advogados, em entrevista ao Olhar Digital
A ver quais serão as cenas dos próximos capítulos desta novela em 2025.