Ao dar mais autonomia, redes valorizam estudantes e professores
Nem só dirigentes e gestores da educação podem ter boas ideias para melhorar a escola. Ao abrir espaço para que estudantes e corpo docente participem ativamente, as redes do Recife, capital de Pernambuco, e de Caraguatatuba, no litoral de São Paulo, conseguiram promover inovações que engajaram a comunidade e deram a ela um novo sentido de valorização.
Esses são alguns dos motivos que renderam a tais secretarias o Prêmio “Gestão Inovadora na Educação”, iniciativa da Mind Lab, metodologia de ensino que adota jogos de raciocínio para desenvolver habilidades cognitivas e socioemocionais em crianças e jovens. A ação tem apoio técnico do Porvir.
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Na rede do Recife é destaque a integração entre os diferentes níveis da rede para a produção do material didático. Parte do material de apoio distribuído aos professores é feito por educadores da própria rede. A secretaria abre editais pedindo relatos de boas práticas conectadas com o currículo e depois edita cadernos especiais. Já está na 4ª edição o “Vem Brincar”, para professores da educação infantil. Também foi lançada a publicação “Vem Ler”, sobre atividades nas salas de leitura.
“A gente busca dar muita autoria aos professores, porque o profissional precisa ter espaço dentro de sala e se sentir produtor de conhecimentos”, afirma Ana Coelho Selva, secretária de gestão pedagógica. Segundo Ana, o simples fato de produzir um material e concorrer ao edital leva os professores a refletirem sobre suas práticas, ainda que não sejam escolhidos.
Por acreditar que há muito talento e respostas dentro da rede, Recife também estabeleceu o projeto Conectando Aprendizagens, uma série de encontros pedagógicos reunindo cinco ou seis escolas mais próximas. Afinal, as boas ideias e respostas podem estar logo ao lado. “A rede se sentiu muito valorizada – e muito cuidada. As escolas tiveram voz e puderam se inspirar em outras escolas. Às vezes eu digo que não faço porque não dá, mas se olho para o lado e vejo que outra unidade consegue, eu também passo a acreditar”, afirma Ana.
Esse convite à participação docente é ratificado pelo secretário de Educação do Recife, Fred Amâncio, que vê na parceria com os educadores um caminho seguro para atingir os objetivos da rede. “A gestão tem um plano estratégico, tem metas. Mas não existe um botão que a gente aperta e tudo se resolve. Quem coloca o plano em ação são as pessoas”, afirma. Desde o início da sua gestão, Fred vem apostando em muita conversa para que a rede entenda os planos e, todos juntos, fazem a “pactuação das metas”.
De acordo com o secretário, manter as equipes participantes também é o caminho inevitável para promover inovações reais na escola. “Inovar na educação é diferente de inovar em uma linha de produção, em que se muda um processo e está feito. Educação são pessoas em contato com outras pessoas”, afirma.
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Participação coletiva
Envolver estudantes também é uma das maneiras de inovar e, desde o início da trajetória escolar, as crianças podem contribuir. Quando questionados sobre melhorias na escola, alunos de uma unidade municipal de educação infantil de Caraguatatuba (SP) expressaram o desejo de ter mais tempo para almoçar. “Vários falaram que tinham que comer muito rápido, que a tia os chamava antes de eles conseguirem terminar”, conta Alessandra Ciaca, supervisora de ensino da rede. Professores e gestores avaliaram que os pequenos tinham um ponto válido e alteraram os horários para permitir uma refeição sem correria.
Esse é só um exemplo de como a rede municipal tem se esforçado para criar um ambiente que estimule a participação democrática. As mudanças começaram aos poucos, há vários anos, e foram se ampliando conforme os bons resultados apareciam. “Numa escola, era preciso decidir um horário para limpar os corredores, que eram usados o tempo todo. Em vez de pensar sozinho, a gente buscou uma resposta de como otimizar os horários com os próprios adolescentes”, lembra Alessandra. Junto com a decisão coletiva, veio o convite para todos os alunos cumprirem o que foi acordado para transitar pela escola.
Dar sua opinião traz a responsabilidade de ouvir o outro também. Para o projeto Feira Literária, os professores propõem alguns nomes de autores para uma possível homenagem e abrem votação para alunos de toda a rede. Como numa democracia, o resultado tem de ser acatado por todos. “Tem anos que é fácil, mas teve ano que o primeiro colocado ficou só cinco votos à frente do segundo. Ouvimos muita reclamação”, diz a supervisora. Mas aos poucos e na prática, os estudantes vão aprendendo a se expressar e aceitar o desejo dos demais.
A participação se dá em diversas esferas. Há até mesmo um concurso gastronômico anual, em que o corpo discente é o jurado que escolhe um prato para entrar no menu das cantinas. Mas um dos maiores destaques é o Projeto Municipal da Câmara Jovem. Cada escola elege seu grêmio e um representante para a Câmara Jovem, que discute e vota projetos para a rede municipal.
“Eles propuseram a instalação de um sinal visual nos pátios, para que estudantes surdos possam ter mais autonomia. Levaram o texto para a Câmara Municipal e os vereadores o aprovaram. Agora, todas as nossas escolas têm o sinal sonoro e um sinal de cor nos pátios”, relata Alessandra.
Os professores também são chamados a dar suas contribuições. Um exemplo é a escolha entre opções de calendário escolar. Claro, sempre há 200 dias letivos, mas este ano, por exemplo, escolheram ter cinco sábados letivos e fazer um recesso em outubro, depois da Feira Literária. Mais um exemplo de que a escuta e a participação coletiva fazem toda a diferença para a gestão educacional.