Educação infantil é crucial para desenvolvimento a longo prazo, diz vencedora de Prêmio Nobel

Educação infantil é crucial para desenvolvimento a longo prazo, diz vencedora de Prêmio Nobel
Publicado em 04/10/2024 às 3:51

Assegurar educação inclusiva e de qualidade, com oportunidades de aprendizagem para todas e todos, está entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas). Esther Duflo, Prêmio Nobel de Economia em 2019, sugere um caminho para alcançá-los: investir na educação infantil. A primeira etapa da educação básica não só traz grandes retornos, como evita problemas futuros. Afinal, o que se aprende e o que se perde na infância não consegue ser recuperado na vida adulta, assegura a especialista.

“Há muito trabalho a ser feito. Claro, parte dele precisa acontecer em todos os níveis de educação, mas a evidência sugere que o sucesso do investimento nos primeiros anos pode ter um impacto com diferentes proporções ao longo de toda a vida. E os déficits (falhas) nesses anos são difíceis de recuperar”, afirma.

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Esther tornou-se referência na pesquisa sobre a trajetória econômica de pessoas em situação de pobreza, “com interesse em entender o que realmente funciona para melhorar a vida das pessoas ao redor do mundo”, como ela mesmo define. Entre suas propostas, está a criação de um fundo global para as vítimas das mudanças climáticas, constituído pela taxação de grandes empresas e bilionários. 

Foto: Kris Krüg/PopTech/Flickr/CC BY-SA 2.0

Com uma agenda de eventos no Brasil no final de junho, Esther participou do 1º Simpósio Internacional de Educação Infantil, realizado pela Fundação Bracell. Professora do MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos, a economista é co-fundadora do Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab (J-PAL), centro de pesquisa global que trabalha para reduzir a pobreza, com foco em educação, desenvolvimento e implementação de políticas públicas. 

A instituição é parceira da Fundação Bracell no projeto “Fortalecimento das aprendizagens e do desenvolvimento das crianças na pré-escola”, voltado à identificação de soluções promissoras e escaláveis. O projeto pretende replicar evidências de sucesso nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia, informa reportagem do jornal O Estado de S.Paulo.

➡️ Leia também: Como garantir o direito à educação infantil?

Análise das evidências brasileiras

Ao elogiar o acesso à educação infantil no Brasil, com matrículas que representam 93% das crianças, contra uma média de 39% em todo o mundo, Esther reforça o sucesso das políticas públicas, mas se questiona sobre a desigualdade na qualidade do que é ofertado. “Isso não é exclusivamente um problema brasileiro, mas certamente é um problema. Um em cada cinco professores da educação básica não completou a educação superior”, aponta.

Ela se refere ao Censo Escolar de 2023. A porcentagem total de professores da educação básica sem diploma universitário está estagnada em 10% desde 2020. O pior cenário é no Maranhão, onde 33% não cursaram a universidade. Dados da pesquisa, apresentados neste infográfico da Revista Piauí, revelam como a quantidade de docentes sem ensino superior cai conforme as etapas progridem – o maior índice de professores sem diploma está na educação infantil (16,5%).

As diferenças na qualidade da educação pré-escolar, para a economista, estão relacionadas a fatores sociais, geográficos e raciais. “Em um país como o Brasil, é impossível ignorar a dinâmica racial e o acesso à educação primária de qualidade, sendo observadas já nas diferenças que começam a aparecer na educação pré-escolar, o que, devido à importância desses anos, terá impacto para o resto da vida desses jovens”, diz. 

A porcentagem de crianças negras nas creches segue menor do que a de crianças brancas (49,7%), como registrou o Porvir em uma recente reportagem. A desigualdade segue até a universidade: a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2023 também aponta que, entre o grupo de pessoas ouvidas, de 18 a 24 anos, 60% dos brancos completaram ao menos o ensino médio. Entre pretos e pardos, o percentual cai para 47,3%.

Ela também citou dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, em inglês), que mostram, por exemplo, jovens brasileiros chegando aos 15 anos sem saber resolver problemas matemáticos simples ou que apenas metade deles sabem interpretar textos de tamanhos moderados, para exemplificar os desafios educacionais encontrados no Brasil. 

Experiências internacionais de educação e desenvolvimento

Esther compartilhou com a plateia o modelo de currículo da educação pré-escolar francesa, que se assemelha ao brasileiro por ser baseado nas brincadeiras e na interação para o desenvolvimento de habilidades sociais. A princípio, diz ela, são elementos que apoiam as crianças a se preparar para os anos escolares primários.

“Há evidências encorajadoras de diferentes contextos que mostram que oferecer conteúdo mais estruturado para professores pode ajudá-los a melhorar”, comenta. Ela faz referência a um projeto que realizou no Laboratório de Desenvolvimento da Universidade de Harvard (Estados Unidos), no departamento de psicologia. 

Desenvolvemos um currículo de jogos matemáticos, projetado para aproveitar o conhecimento intuitivo da matemática que todas as crianças têm, mas que pode ser treinado e aprimorado. Em nosso conjunto de experimentos, eles começam com jogos intuitivos e, em seguida, ajudam explicitamente as crianças a fazer a transição de matemática não simbólica para a simbólica. Descobrimos que as crianças expostas a esse currículo se saem melhor na escola e esses ganhos são duradouros”. Atualmente, a versão desses jogos está sendo testada em escolas da Índia.

Conexão escola-família

A educação e o desenvolvimento acontecem em todos os cantos, lembra Esther. E a integração entre família e escola é fundamental. “A qualidade do que acontece na educação pré-escolar hoje vai afetar a vida futura de muitos, mas devo mencionar que não é necessariamente uma teoria que a educação pré-escolar é melhor do que ficar em casa”, comenta.

Para a economista, “o que acontece na escola precisa ser mais valioso do que ficar em casa ou, melhor ainda, precisa ser complementar aos esforços em casa para não privar as crianças de interações de qualidade com adultos de maneira não intencional.” De acordo com Esther, uma educação que se concentra apenas no ambiente da pré-escola ou apenas no ambiente doméstico está fadada a deixar algumas crianças para trás.

Ela citou algumas experiências de pré-escola realizadas em diferentes países para exemplificar como diferentes abordagens podem ser bem-sucedidas, desde que adaptadas e testadas em contextos locais. Confira:

  • A Noruega implementou um currículo abrangente e encontrou efeitos positivos nas habilidades de linguagem e funções executivas, com grandes impactos em matemática.
  • Na Jamaica, estudos da professora Maureen Samms-Vaughan mostram que ensinar os pais a interagir cada vez mais com seus filhos tem efeitos de longo prazo, incluindo aumento de salários na vida adulta.
  • Em Gana, professores do jardim de infância foram preparados para treinar mães voluntárias a conduzir estações de aprendizagem em sala de aula e em casa. O impacto foi positivo no desenvolvimento cognitivo e socioeconômico das crianças.