Escola do campo trabalha educação financeira para fortalecer cultura local
A Escola Municipal Sérgio Lúcio Fernandes Amaral é um ponto de referência para a comunidade rural do distrito de Pirapanema, na cidade de Muriaé (MG). Os alunos são filhos de agricultores, que também passaram pela escola multisseriada, antigamente chamada de Escola Família Agrícola. Para valorizar a produção rural, a cultura local e também introduzir conceitos de educação financeira e empreendedorismo para as crianças dos anos iniciais do ensino fundamental de uma sala multisseriada, nasceu o projeto “Criança Empreendedora”. Ou melhor: “Projeto Feirinha”, como os estudantes carinhosamente o batizaram.
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Tudo teve início com uma conversa: perguntei à turma o que os pais produziam ou cultivavam. A variedade era imensa: frutas, verduras, queijo, leite, legumes, bolos, biscoitos, entre outros. Conversei com os professores, com a gestão e com as crianças e, juntos, decidimos montar uma feirinha na escola.
Fizemos uma lista de todos os produtos que poderiam ser ofertados e selecionamos os itens de maior procura para serem vendidos para a equipe escolar e os estudantes mais velhos. Mas, antes da venda em si, nós nos preparamos para organizar a feira: dividimos as tarefas e treinamos cada um em sua função, para que as crianças entendam o valor do trabalho coletivo.
O caixa precisava conhecer o dinheiro e saber fazer adição, subtração, divisão e multiplicação. O repositor devia manter os produtos bem apresentados. O atendente, além de simpatia, precisava ter uma boa argumentação para a venda. Um período das nossas aulas foi dedicado para esse aprendizado, que também incluía as funções de embalador, pesador dos produtos e empreendedor – este último reunia uma carteira de clientes a prazo, recebimento por Pix e dinheiro em espécie. Há um revezamento entre as tarefas, e todos aprendem de tudo.
Montamos a feirinha quinzenalmente. Como a nossa escola é do campo, os pais compartilham conosco caixotes de feira, e decoramos a mesa para a venda de frutas, legumes, verduras, doces, bolos e biscoitos, com um grande cartaz escrito “Projeto Feirinha”. A escola é distante da comunidade, mas estamos pensando em abrir a feirinha para os visitantes.
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Foco na educação financeira
Ser professor de uma sala multisseriada traz grandes desafios. Na minha atual turma, atendo um aluno da pré-escola, dois do 1º ano e cinco do 2º ano. Os estudantes que hoje estão no 3º, 4º e 5º anos foram meus alunos e seguem no projeto.
Na geografia, investigamos as características do solo e os diferentes cultivos. Na história, entendemos como eram a escola e a comunidade antigamente. Mas o “Projeto Feirinha” tem um aspecto forte ao introduzir conceitos de educação financeira para crianças.
Trabalhamos o sistema monetário brasileiro, o cálculo matemático para o troco e a contagem de quanto foi vendido no dia. Como temos poucos alunos, utilizamos dinheiro de verdade nas aulas: a dinâmica é muito melhor, e o resultado é rápido.
Estudamos o funcionamento da tecnologia de pagamento pelo celular (Pix) e conferimos se o pagamento estava correto, guardando o comprovante. Outro aprendizado foi focado no sistema de medidas de peso e de volume em litros (este último para medir o leite que as famílias enviam).
A escrita é outro ponto interessante do projeto, pois os alunos precisam escrever o nome de cada cliente e os produtos que ele adquiriu, além de realizar uma produção textual sobre o aprendizado daquele dia. Ao final da feirinha, o caixa fica disponível para que as crianças contem o quanto foi vendido em dinheiro, Pix e fiado. Prestamos contas às famílias com o valor total de cada feirinha. Neste ano, até agora, arrecadamos cerca de R$ 2.100.
Parte desse dinheiro já foi investida no próprio projeto. Uma parte foi gasta em kits de pintura. Em agosto, decidi comprar relógios analógicos de pulso para cada criança (inclusive as do 1º ano) e, em poucas semanas, elas já aprenderam a ver as horas exatas e os minutos – competência esperada para as crianças do 2º ano.
O dinheiro arrecadado também é utilizado em passeios, cinema, piqueniques e cestas básicas, que serão entregues a cada família ao final do ano.
Contudo, para além da ideia de ganhar dinheiro, mostro a eles a importância dos estudos para transformar nossa realidade, instruindo a turma a pensar e resolver problemas à sua volta. Acabamos de criar um projeto nesse sentido: parte do dinheiro da feirinha vai nos ajudar a custear a obra de um esgoto que está a céu aberto, prejudicando a natureza e a nós mesmos.
Resultados do projeto
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) elenca várias competências e habilidades que precisamos utilizar em sala de aula. O “Projeto Feirinha” auxilia muito nesse processo, pois, quando partimos das metodologias ativas, o aluno se torna protagonista de sua história. Aprender com práticas bem pensadas é muito mais significativo. Assim, o aluno precisa ser um ser pensante, questionador e ter ideias ainda mais criativas.
Um dos pontos importantes para participar do projeto é a melhoria do comportamento em sala de aula e em casa. Temos alguns alunos indisciplinados, e a feirinha ajudou muito nesse desenvolvimento. Além disso, o aluno é observado e avaliado por dois outros professores, que auxiliam em todo o processo.
As crianças se mostraram muito mais motivadas com aulas práticas, metodologias ativas e a possibilidade de mudar a realidade da escola e da comunidade. Como nossa escola atende desde a educação infantil até o 9º ano, existe a possibilidade de os alunos maiores fazerem um projeto com a horta para auxiliar na demanda da feirinha (a escola tem uma plantação de bananeiras, que eu mesmo faço a colheita para colocar à venda).
Entendo que não é só no caderno que a criança aprende. Conseguimos associar a teoria à prática pedagógica: as crianças aprendem o sistema monetário com dinheiro de verdade, utilizam a matemática para receber o dinheiro e dar o troco pelas vendas e, assim, já entendem a importância de empreender.
Marcelo Martins da Fonseca
Formado em pedagogia, artes visuais e ciências contábeis, pós-graduado em supervisão, inspeção e orientação. É professor da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental e supervisor pedagógico.