Fórmula E 2024/25: novos carros, mais tecnologia
Neste sábado (7), São Paulo (SP) recebeu, pela terceira vez, uma etapa da Fórmula E, categoria do automobilismo caracterizada por ser 100% elétrica, no sambódromo do Anhembi.
Com veículos que chegam a 322 km/h e que produzem ruído suave e até agradável ao ouvido, a competição (acompanhada in loco pelo Olhar Digital) atraiu apaixonados por velocidade – e tecnologia, apesar do forte Sol de 32 °C, que pouco deu trégua.
A corrida, com tempo médio de 1m13s por volta, teve o piloto neozelandês Mitch Evans (Jaguar) como o vencedor. Ele saiu do 24º e último lugar e obteve 380 décimos de vantagem do segundo colocado, o português António Félix da Costa (Porsche), para conquistar a vitória. Foi a primeira etapa da temporada 2024/25.
A corrida durou mais do que o esperado por conta de acidentes, que causaram bandeiras amarelas, Safety Car e até duas bandeiras vermelhas. As bandeiras vermelhas foram necessárias não só para limpeza da pista e resgate dos pilotos, mas, também, pelo risco de explosões e outros incidentes envolvendo os carro, 100% elétricos.
Contudo, engana-se quem pensa que a Fórmula E só tem baterias de itens tecnológicos. É muito mais do que isso!
Fórmula E e suas tecnologias
- A tecnologia na Fórmula E vai muito além dos veículos;
- No caso da equipe Jaguar, por exemplo, há uma parceira tecnológica por trás que a auxilia. Trata-se da Tata Consultancy Services (TCS);
- Parcerias como essas são importantes para produzir ferramentas que acelerem a adoção dos veículos elétricos;
- As mudanças nas regras do campeonato, como teto de custos e limites de engenheiros por equipe, a computação em nuvem provida por empresas, como a TCS, é uma tecnologia que pode auxiliar aos profissionais para acompanhar a telemetria do carro, o estado e o nível da bateria de cada veículo, por exemplo;
- Além disso, ferramentas em nuvem podem acelerar o processamento de dados necessário para a manutenção do carro, incluindo a melhora na eficiência da gestão de energia;
- A inteligência artificial (IA), que está cada vez mais em voga, também auxilia bastante a categoria. Ela tem alimentado simuladores, importantes para antever o que pode acontecer na corrida.
Isso é exemplificado por François Dossa, Consultor Sênior e Head de Sustentabilidade LATAM da TCS. Em entrevista, ele explicou como a IA auxilia aos pilotos na hora de tomar decisões na pista.
“O Virtual Vehicle Validation Module é o nosso digital tool. É uma simulação da corrida. A gente tem uma simulação da corrida de São Paulo e a gente faz esse simulador sem o piloto. É em software. A equipe finge que está na corrida e ele vai, etapa por etapa, apontando: olha, melhor entrar na curva nesse ponto do que nesse ponto”, explicou.
Ele vai fazendo assim, melhorando e diz para o piloto, olha, essa é a melhor trajetória que você deveria usar. Aí você vê, tem que ter o piloto aí depois fazendo. Então, a gente vai dar informação para o piloto e o piloto vai usar essa informação. Então, o piloto faz a diferença. Vocês poderiam pensar, bom, então, se o digital faz tudo, aí boto eu, o carro, eu vou seguir? Não. A interação humana, ela tem, então, um bom piloto, ele faz uma diferença com esses dados que a gente dá pra ele. E isso que é legal, é onde a tecnologia ajuda também o ser humano. E essa parte humana de emoção, ela também tem uma parte muito importante. Então, é esse casamento da tecnologia com o humano, que é o que a gente quer.
François Dossa, Consultor Sênior e Head de Sustentabilidade LATAM da TCS
Dossa deu mais detalhes acerca da tecnologia utilizada com os pilotos. “A primeira etapa é o modelo trabalhar sozinho. A segunda é o piloto no simulador. A terceira é o piloto na pista. Porque os pilotos não moram aqui. Mas tem essa segunda etapa em que o piloto tá no simulador com os dados que o digitador deu pra ele. Agora, na primeira fase a gente testa com chuva violenta, a gente testa com calor de 60°, porque muda a performance do carro, quando a pista está encharcada, cheia de água e tal, então são todas essas informações”, informou.
Quem também falou da simulação de corrida foi o chefe de equipe da Jaguar, James Barclay. “Um ponto óbvio é o modelo de validação de veículos, que é o V3M, como chamamos. Agora, estamos aqui em São Paulo, no Sambódomo, não temos a oportunidade de correr aqui todos os dias da semana, não temos a oportunidade de testar aqui todos os dias da semana, então como podemos nos preparar o máximo possível? E isso é sobre ter um irmão gêmeo digital do carro real, que seja o mais acurado possível, de todos os elementos, o trem de energia, o chassi, a suspensão, os sistemas, a software, os pneus, tudo isso tem que ser modelado com acurado”, explicou.
“Então, o que nós precisamos é um modelo que tenha dados relíveis, dados acurados, e isso significa que se não é bom para uma corrida, para a próxima corrida é ruim, tem que ser relível e consistente. E nós dependemos muito dessa simulação, porque essas carros são muito, muito complicados. [Este] é carro mais complicado, não só o elétrico, é o carro mais complicado do mundo. Então, tem muitas coisas que precisamos testar antes de voltarmos”, continuou.
O piloto da Jaguar TCS Racing, Nick Cassidy, apontou como ele utiliza a tecnologia a seu favor nas pistas. “A primeira parte é a simulação offline, o piloto no simulador. Isso é muito focado em carros de performance e, durante a qualificação, nós estamos tentando para ajustar o modelo do pneu e do veículo para ser o mais acurado possível para a realidade, para podermos melhorar o equipamento mecânico, os sistemas de controle, etc. Mas eu acho que muitas das simulações que fazemos antes da corrida nos dão uma indicação sobre que partes do carro são mais impactados com a performance de certos parâmetros. Então, essa parte é realmente interessante”, disse.
Temos uma estratégia ofensiva diferente. Como falamos antes, vamos dirigir aqui, então, a estratégia pode ser diferente. Estamos tentando ver o que vai parecer quando você vai perder posições, quanto tempo vai levar para recuperar, e isso é tudo por meio dessa simulação.
Como é quando estou dentro do carro, é um pouco diferente de novo, onde eu tenho o ‘Dash’, eu fico confuso por meio de luzes, por meio de barulhos no meu ouvido, isso significa quando eu tenho que acelerar para economizar energia, quando recuperar a energia, mas, ultimamente, a maior ajuda da simulação é tudo que acontece na garagem e o que eles podem me dizer através do rádio.
Nick Cassidy, piloto da Jaguar TCS Racing
Quem também tem empresas importantes de tecnologia como parceiras é a Nissan, que firmou parceria de quatro anos com a Petromin Corporation, fornecedora de soluções inteligentes no Oriente Médio.
O acordo irá focar principalmente na subsidiária de carregamento de veículos elétricos da corporação, a Electromin, enquanto o negócio prevê a adoção em grande escala de mobilidade elétrica na região da Ásia. Já a Marelli traz para o time a sua experiência de mais de 100 anos no desenvolvimento de soluções tecnológicas.
Além disso, a Coral continua com a equipe nessa temporada como parceira de sustentabilidade, especializada na compensação de emissões de carbono. A empresa ajuda a equipe a avaliar, monitorar e reduzir sua pegada de carbono.
Já a start-up de moda sustentável fornece à roupa sua linha de produtos diferenciada, confeccionada com plástico reciclado e materiais vegetais. Outra empresa com parceria histórica com a Fórmula E é a ABB, empresa global especialista em tecnologia de eletrificação e automação.
Ao entrar em seu oitavo ano como parceira titular e terceiro como parceira de carregamento, a ABB continua a utilizar o campeonato como um laboratório para testar tecnologias inovadoras e sustentáveis.
Isso inclui o ABB Formula E Race Charger, sistema de alimentação ininterrupta (UPS) e a solução de gestão de energia ABB Ability Optimax®. A parceria contínua com a Fórmula E também permite destacar, fora das pistas, soluções que visam aumentar produtividade, eficiência e confiabilidade.
“É uma grande satisfação sediar a abertura do Campeonato Mundial ABB FIA de Fórmula E aqui no Brasil, um país com uma longa e rica tradição no automobilismo”, afirma Luciano Nassif, Country Holding Officer da ABB Brasil.
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Componentes tecnológicos dos carros de Fórmula E
Atualmente, a Fórmula E está usando o monoposto GEN3 Evo, considerado o mais veloz e avançado até hoje, chegando a 322 km/h, quase tão rápido quanto um carro de Fórmula 1 (que alcança cerca de 330 km/h).
A seguir, confira algumas informações técnicas sobre o monoposto, segundo o site oficial da Fórmula E:
- Velocidade máxima: 322 km/h;
- Aceleração (0-100 km/h): 1,86s, ante 2,8s do modelo GEN3, além de ser 30% mais rápido que um cárro de Fórmula 1;
- Melhorias de desempenho derão ganho de desempenho de 2% em relação ao GEN3, equivalente a uma volta de qualificação com cerca de dois segundos mais rápida no circuito de Mônaco;
- Desempenho no Modo de Corrida: 300 kW (408 bhp);
- Desempenho no Modo de Ataque: 350 kW (476 bhp);
- Bateria: Íon de Lítio acumuladora;
- Capacidade da bateria (energia utilizável): 38,5 kWh;
- Recuperação máxima: 600 kW;
- Tração nas quatro rodas (AWD): novidade para um carro de Fórmula E, disponível durante duelos de qualificação, largadas de corrida e modo ataque. Este recurso maximiza a aceleração e o controle, melhora o desempenho e a estratégia. Ela poderá ser usada durante duelos de qualificação, largadas da corrida e no Modo Ataque;
- Melhor aderência: os pneus da Hankook, modelo iON, são otimizados para todas as condições climáticas, proporcionando entre 5% e 10% mais aderência, feitos de 35% de materiais reciclados e sustentáveis (+9% em relação à especificação GEN3);
- Frenagem responsiva: os carros otimizam a capacidade de frenagem regenerativa de 600 kW para gerar quase 50% da energia necessária para uma corrida, durante a própria corrida;
- Desempenho aprimorado por software: atualizações de desempenho de corrida feitas por meio de engenharia de software;
- Carro de Fórmula mais eficiente de todos os tempos: um motor elétrico com mais de 90% de eficiência, superando significativamente a eficiência de 40% típica dos motores de combustão interna;
- Minimizando a pegada de produção: o primeiro carro de corrida com emissão zero de carbono do mundo no primeiro esporte com emissão zero de carbono do mundo;
- Desenvolvimento sustentável de baterias: fornecedores de minerais de células de bateria selecionados com base em padrões de mineração éticos e sustentáveis;
- Pensamento do ciclo de vida: pensamento do ciclo de vida durante toda a construção do carro; segunda vida e reciclagem para células de bateria; fibra de carbono reciclada e materiais naturais como linho integrados ao chassi;
- Cadeia de suprimentos consciente: todos os fornecedores mantiveram KPIs de sustentabilidade rigorosos, obtendo a certificação de Acreditação Ambiental FIA 3* na 9ª temporada;
- Transferência da corrida para a estrada: áreas específicas do carro relevantes para a estrada são abertas para desenvolvimento por equipes e fabricantes, projetadas para transferência direta de tecnologia para a indústria automotiva;
- Capacidade de carregamento ultrarrápido: um novo desenvolvimento tecnológico ainda em desenvolvimento, projetado para permitir carga de alta velocidade de 600 kW em 30 segundos para energia adicional no meio da corrida.
Bateria
A bateria de íons de lítio dos elétricos da Fórmula E são fabricadas pela Williams Advanced Engineering (WAE), pesam cerca de 284 quilos e estão localizadas na parte traseira do carro. Elas podem armazenar até 51 kWh de energia.
No entanto, certa quantidade de energia é destinada às “voltas zero” antes e depois da corrida (conhecidas como outlap & inlap) e como reserva de emergência. Dessa forma, na corrida, os pilotos têm 40 kWh disponíveis. Para efeito de comparação, isso corresponde à capacidade de cerca de 500 laptops, ou 6,5 mil baterias de smartphones, explana o E-Formula.
Como a bateria opera em janela de temperatura comparativamente pequena, ela precisa ser resfriada constantemente. Em condições de corrida, a corrente de ar é suficiente para isso. Na garagem, porém, os mecânicos têm que instalar bombas de ar e recipientes com gelo seco na frente da caixa lateral. O radiador na caixa do lado direito resfria a bateria, sua contraparte no lado esquerdo o motor elétrico.
Motor
Já o sistema de transmissão é composto por motor, caixa de câmbio e inversor, sendo a única área do carro na qual que as fabricantes podem desenvolver livremente, juntamente com a suspensão traseira e o software.
Embora a bateria só possa produzir corrente contínua (CC), os motores elétricos possuem corrente alternada (CA), em sua maioria trifásicos, e requerem entrada de CA com frequência muito precisa para converter a energia disponível em potência e transmiti-la ao eixo motor através da caixa de câmbio.
Além disso, os próprios fabricantes podem determinar o número de marchas. O inversor é responsável por converter a energia e criar esse perfil de tensão como peça central entre a bateria e o motor elétrico.
O piloto escolhe entre várias configurações de potência por meio de controle rotativo no volante. Por exemplo, existem configurações para “shakedown” (máx. 130 kW), qualificação (máx. 350 kW), corrida (máx. 300 kW) ou modo de ataque (350 kW).
Durante a recuperação de energia na “desaceleração” e frenagem, o trem de força pode operar na direção oposta: Eixo motor > motor > inversor > bateria. Podem ser recuperados até 600 kW (350 kW no eixo traseiro, 250 kW com o motor dianteiro padronizado).
O processo de recuperação nas zonas de travagem por meio de “lift and coast” é uma das tarefas mais complexas para os pilotos durante a corrida, embora sejam suportados pelo software do veículo desde 2018 com o sistema “brake-by-wire”. Com bom trabalho de recuperação durante a corrida, o piloto pode ampliar o alcance da bateria em quase 20%.
A gente tem os dois motores pra frente e pra trás, atrás a gente tem até 350 quilowatts, na frente a gente tem 350, dessa vez a gente vai utilizar a força da frente pra tração.
Na GEN3, as equipes só podiam regenerar 600 kW de energia. Em cinco segundos, é possível carregar a bateria a 10%.
A estrutura do chassi, idêntica para todas as equipes, é diferente na GEN3 Evo, como a parte da frente mais arrojada e agressiva e a asa da frente é bem mais forte.
Modo Ataque
Algo interessante ina Fórmula E é o chamado Modo Ataque. Por meio dele, os pilotos obtém 50 kW a mais e tração integral, auxiliando na hora de realizar ultrapassagens.
Para isso, contudo, os pilotos precisam passar pelo setor designado apra isso (normalmente, em uma das curvas do circuito, onde o piloto abre mais a curva). Se o competidor conseguir passar pelo setor corretamente, sensores magnéticos liberam a potência extra.
Eles são obrigados a ativar o modo ataque ao menos uma vez por corrida e têm direito, no máximo, dois acionamentos. Cada modo ataque pode durar entre quatro e oito minutos, em média.
Software e sustentabilidade
Assim como na GEN3, o software continuará sendo importante na GEN3 Evo, com os pilotos dizendo que acertar é fundamental. No que tange a sustentabilidade, as equipes também fazem seu papel, como a Jaguar.
“Também temos papel importante para inspirar e mudar a adoção de veículos eletrônicos para a mobilidade de zero emissão. Falamos sobre as questões de sustentabilidade, como podemos fazer nossa empresa, com o apoio da TCS e outros parceiros, mais sustentável”, explicou Barclay.
“Temos um objetivo de net carbono zero em 2039 e as atividades dentro do time de corrida também ajudam a criar essa circularidade. Temos muitos exemplos do time que criamos soluções circulares sustentáveis e que também deliveram performance na pista”, completou.