Agência de notícias no ensino fundamental debate eleições e Paralimpíadas
A educação midiática é fundamental nos dias atuais. Embora a criação de agências de notícias seja mais comum nos anos finais do ensino fundamental ou no ensino médio, é importante destacar que nossas crianças também são consumidoras e produtoras de conteúdo. Por isso, precisamos desenvolver o pensamento crítico e criativo, realizando um trabalho que potencialize o desenvolvimento de habilidades para a vida.
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) prevê, para o 4º ano do ensino fundamental, o trabalho com gêneros jornalísticos em língua portuguesa e a evolução dos meios de comunicação em história. Como estamos em ano eleitoral, eu reuni as possibilidades de estudo para formar cidadãos críticos e ativos, capazes de combater as fake news e contribuir para uma sociedade mais consciente e responsável. Além dessa proposta, os alunos sugeriram fazer a cobertura das Paralimpíadas, porque estão incomodados com a falta de divulgação por parte das grandes mídias.
Criar uma Agência Jovem de Notícias com a turma do 4º ano do Colégio Sagrado Coração de Jesus, localizado em Belo Horizonte (BH), tem como meta desenvolver habilidades de produção de textos multimodais, com foco na competência geral de cultura digital. Como expresso na BNCC, é preciso “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.”
Etapas do projeto
No meu dia a dia em sala de aula, aproveito todas as oportunidades para trabalhar a produção de textos com os estudantes, de forma que seja prazeroso escrever, e não maçante. Dessa forma, as aulas de produção de texto foram transformadas em laboratórios de experimentação do pensamento no projeto “Agência Jovem de Notícias do 4º ano”.
Criei realmente uma agência com meus estudantes, apresentando as profissões necessárias para que ela funcione. As crianças amaram a ideia e, ao explicar o que cada profissão faz, os alunos foram escolhendo o seu “cargo” dentro da agência. Trabalhei muito o senso de coletividade, mostrando que o trabalho de todos é fundamental para que o projeto dê certo; sendo assim, maquiadores, figurinistas, técnicos de som, diretor de criação e repórter têm a mesma importância, algo que as crianças, no início, tinham dificuldade em entender.
🟠 Inscreva seu projeto escolar no Prêmio Professor Porvir
Com a equipe formada, começamos os debates sobre desinformação, autoria, responsabilidade e organização. Fizemos uma oficina para a criação dos crachás dos profissionais e inauguramos nossa Agência durante as eleições que realizei com as turmas. Como estamos em ano eleitoral, e a BNCC traz o trabalho com as habilidades de conhecer o município e a função dos governantes, em geografia e história, pensei que seria mais significativo aos estudantes vivenciar, realmente, uma eleição.
Desenvolvendo a educação midiática, ensinei como fazer uma pesquisa, e cada aluno pesquisou as funções dos governantes do país. Na sequência, eles escolheram em qual função se identificavam mais e, a partir daí, individualmente, foram criadas propostas de melhoria para a sala de aula. O resultado foi apresentado à turma, representando a função escolhida (presidente, vereador, governador, prefeito, dentre outros).
Na sequência, juntamos as propostas de acordo com as afinidades de ideias e formamos os partidos. Expliquei o que é um partido, e cada grupo criou o nome do seu. Foi interessante observar o processo, pois tiveram a preocupação de escolher nomes que representassem as propostas defendidas por eles. Em cada partido havia diversos candidatos a cargos iguais, e a eleição foi realizada por partido e não por cargo. Sendo assim, temos mais de um presidente, mais de um prefeito, pois a ideia era que eles entendessem o processo eleitoral e não que virasse uma disputa entre os estudantes.
Realizamos as campanhas eleitorais e fizemos o dia de votação, onde todos foram candidatos e todos foram eleitores. Tivemos os mesários e os fiscais; criei a cédula eleitoral e uma urna “eletrônica” maker para a votação. Para a criação da urna, utilizamos uma caixa de sapatos usada e inclinamos a tampa para parecer com uma urna original. Encapamos com papel branco e fizemos um corte com tesoura, na parte superior, de modo que as cédulas pudessem ser colocadas dentro. Na parte da frente, imprimi o leiaute de uma simulação de urna e colorimos os botões.
Para a contagem de votos, tivemos que rasgar a parte inferior da urna para retirarmos as cédulas. Realizamos a apuração dos votos e a cerimônia de posse, e a Agência Jovem de Notícias fez a cobertura completa de todo o processo. Isso foi muito importante para eles, principalmente para os alunos de inclusão, que participaram ativamente de todas as etapas.
Cobertura ampla
A partir desta experiência, produzimos anúncios publicitários, notícias, reportagens, cobertura da inauguração da biblioteca de sala, campanhas de conscientização de limpeza da sala de aula e uma entrevista com um pai de aluno que é quadrinista. Durante a inauguração da biblioteca de sala, contamos até com a participação especial da Banda Pré-Histórica, um projeto que desenvolvi no ano passado com meus alunos, que agora estão no 5º ano, e apareceu no mural de práticas do Porvir, no Instagram.
Os estudantes se sentem importantes ao se colocarem como parte da Agência, contribuindo com ideias de pautas e organizando a equipe para que o trabalho funcione da melhor forma possível. Eles se preocupam e demonstram interesse por temas como alimentação saudável, crise climática (criaram uma campanha para salvar o planeta), bullying, inclusão, brincadeiras, organização da sala de aula e estratégias de estudo. Também valorizam a sabedoria dos colegas, pois todos aprendemos uns com os outros.
Neste mês de setembro, eles estão cobrindo os Jogos Paralímpicos porque consideram absurdo que as grandes mídias não dediquem a mesma atenção que dão às Olimpíadas. Eles assistem às competições em casa, gravam vídeos explicando as modalidades e incentivam as pessoas a apoiar e seguir os paratletas nas redes sociais. Essas gravações ficam disponíveis no Google Classroom da escola. Em sala de aula, lemos as notícias e eles analisam título, subtítulo e o que poderia ser melhorado para tornar a notícia mais interessante. Em seguida, criam suas próprias reportagens. Inclusive, estão escrevendo uma carta de incentivo para a Adria Silva, atleta do vôlei sentado, e têm acompanhado com muito interesse o futebol de cegos.
Relacionadas
Educação midiática: o que cabe à escola e como incentivar as famílias
Como trazer a educação midiática de forma interdisciplinar para a sua aula
Professores contam com e-book gratuito para debater fake news na escola
Estruturas diversas
O cuidado estético com os textos e a elaboração das produções têm tido avanços significativos, sendo desenvolvido um trabalho de leitura e escrita de forma interdisciplinar.
Estudamos cada gênero, conhecendo sua estrutura, fazendo a sistematização e colocando a mão na massa na criação de textos que viram produtos a serem gravados e veiculados pela nossa Agência. Por enquanto, consegui enviar para as famílias assistirem o que foi produzido por meio do aplicativo de mensagens que a instituição utiliza, mas meu sonho é que o projeto cresça e a gente consiga veicular no Instagram da instituição, com os alunos fazendo parte da equipe de comunicação da escola, pois eles têm muito potencial para isso.
Os estudantes esperam ansiosos pelo dia de trabalho na Agência Jovem de Notícias e usam, orgulhosos, seus crachás. Esse trabalho com a língua portuguesa engloba habilidades que são fundamentais para as crianças entenderem o mundo e tomarem decisões responsáveis, aprendendo de forma totalmente ativa.
Os comentários têm sido positivos, pois não vemos esse tipo de trabalho ser realizado com crianças. Fiquei muito feliz quando um pai me relatou que a brincadeira do final de semana da família foi produzir conteúdos para a Agência Jovem de Notícias, que seu filho organizou e coordenou todo o processo!
Retornos e desafios
Lembrei logo da Espiral da Aprendizagem Criativa e vi que estou no caminho certo. Esse conceito explora a importância de convidar os estudantes a imaginar, brincar, compartilhar e refletir sobre o processo, para então voltar a imaginar, promovendo um ciclo contínuo de criatividade e aprendizado.O projeto ainda está em andamento e tem sido desafiador, pois uso o meu celular para gravar e editar os conteúdos com as duas turmas do 4º ano, das quais sou professora. Meu celular não é muito bom e tem pouca memória, acredito que devo fazer o melhor com o que tenho e não desistir porque não tenho o melhor recurso.
A turma está se organizando melhor e tendo mais cuidado ao produzir seus textos, além de ter um olhar crítico durante as discussões em sala. Os alunos com necessidades especiais se sentem pertencentes ao grupo e participam de todos os trabalhos. É uma experiência de muito aprendizado para mim e para as crianças.
Fico emocionada quando os estudantes me procuram para compartilhar ideias e criar campanhas, desenvolvendo sua autonomia. O interesse pela Agência Jovem de Notícias se espalhou para outras turmas, que também manifestaram vontade de participar.
Janaína Fernandes Pessoa
Graduada em Letras e Pedagogia, especialista em Metodologias Ativas para a Educação, Neuropsicopedagogia e Supervisão, Orientação e Inspeção Escolar. Cursou a Residência iungo para educadores e um MBA em Marketing e Branding. É orientadora educacional, professora de Língua Portuguesa e regente de turma. Também foi professora da pós-graduação em Aprendizagem Criativa da PUC Minas e iungo