Caminhos para a formação de professores em educação financeira
Educação financeira é um tema que pode ser integrado às diversas disciplinas do currículo escolar. No entanto, para que o professor consiga compreender esse universo, aproximar suas aulas à realidade dos estudantes e articulá-la com fatos do cotidiano, é importante que ele tenha acesso a uma formação inicial (ou continuada) que seja reflexiva e contemple várias dimensões.
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É dessa forma que um universo de expressões como taxa de juros, inflação e impostos ganha espaço de maneira viva e integrada, sem ser visto como intruso em relação ao conteúdo, ou apoiado na memorização de fórmulas, datas de planos econômicos ou verbetes. A questão é que o Brasil ainda procura a melhor maneira de ensinar educação financeira nas escolas.
Evolução do debate sobre educação financeira
Para o professor David Pires Dias, livre-docente pelo Departamento de Matemática do IME-USP (Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo), o debate ainda está em uma fase inicial, e existem motivos que dificultam a inclusão do tema, a começar pelo próprio conceito de educação financeira.
David afirma que, na formação de professores, o enfoque adotado é diferente daquele das instituições financeiras, que geralmente abordam produtos financeiros. Ele ressalta que não se trata de julgar qual abordagem está certa ou errada, mas que o entendimento aplicado a um curso de licenciatura, por exemplo, é bem distinto. É preciso falar de dinheiro para além de produtos de investimento e incluir consumo consciente e desigualdades, entre outros assuntos, no currículo docente.
“A disseminação da educação financeira aconteceu rapidamente, mas ainda é um campo novo para muitos professores”, afirma o professor da USP. “A Enef (Estratégia Nacional de Educação Financeira, uma política pública multiministerial) tem menos de 20 anos. Mesmo que tenha havido um esforço rápido para implementá-la, os professores que passaram por essa formação estão no mercado há pouco tempo. Então, ainda estamos em um estágio inicial de adaptação.”
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Diante desse cenário, a educação financeira ainda não teve tempo suficiente para se consolidar nos cursos de licenciatura. Embora o tema esteja presente, ele precisa ser mais bem adaptado para se alinhar às metodologias ativas, com materiais adequados para o contexto da educação básica.
E a matemática financeira é apenas uma parte da educação financeira. Para conectar o tema a situações reais e projetos interdisciplinares, além de promover debates sobre consumo consciente, é importante estimular a participação dos alunos, criando um ambiente no qual todos se sintam confortáveis para questionar, debater e propor soluções.
Como existe uma distância entre aquilo que professores em sala de aula precisam para tratar de educação financeira, e o repertório adquirido na época de suas licenciaturas, David argumenta que cursos online são insuficientes para dar conta desta tarefa. A saída passa por uma reaproximação entre professores e universidades, especialmente na esfera pública.
Aproximação entre universidade e professores de escolas públicas
Como solução, há programas que aproximam professores já formados e estudantes de graduação ou pós-graduação. Algumas universidades também oferecem cursos de extensão, oficinas e projetos que promovem a formação continuada de educadores. . Um exemplo citado por David é a disciplina “Projetos de Estágio” na USP, que faz parte do programa de Licenciatura em Matemática do IME-USP.
A disciplina tem duração de um ano, com encontros quinzenais, e envolve estudantes de Licenciatura em Matemática, professores da rede pública, o docente responsável pela disciplina e, ocasionalmente, alunos de mestrado profissional. No início do ano, discutem-se temas relevantes para a elaboração dos projetos de estágio, que abordam tópicos como ensino de frações e educação financeira. Os professores da rede pública participam como convidados e, apesar de não serem alunos regulares da universidade, recebem um certificado de um curso de extensão de 60 horas, que pode ser utilizado para progressão na carreira, conforme as regras da rede de ensino.
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“A gente une a formação inicial com a continuada, e passa o ano todo discutindo sobre isso. Assim, juntamos a experiência do professor da rede pública, com uma visão que nossos estudantes em formação inicial ainda não têm e o idealismo deles, que muitas vezes serve para motivar o professor que já está na sala de aula há algum tempo. E tudo isso é feito com uma mediação cuidadosa”, disse David.
No entanto, a iniciativa também enfrenta obstáculos, como a dificuldade em atender a um maior número de professores devido à estrutura limitada e ao tempo dos participantes. Além disso, conta David, a falta de apoio financeiro, como auxílio para transporte e liberação de carga horária, é um obstáculo para os professores da rede pública que desejam participar. Apesar dessas dificuldades, o professor ressalta a importância do projeto para profissionais da educação básica, destacando a relevância do contato direto entre a universidade e a escola, bem como a valorização da experiência dos professores da rede pública.
Educação financeira em uma política de formação
Para as secretarias que precisam desenvolver uma formação sobre educação financeira para seus professores, qual é o melhor caminho a ser seguido? Dayana Cândido, coordenadora de Políticas de Formação Continuada do Movimento Profissão Docente, que reúne organizações do terceiro setor atuantes na educação, avalia que assim como acontece nas diferentes áreas do conhecimento, a formação para um tema transversal como a educação financeira precisa fazer parte de algo maior, como uma política de formação.
Como David mencionou acima, tempo é um fator crítico. Dayana expande esse debate, dizendo que é necessária carga horária dedicada, assim como uma equipe de formadores e materiais didáticos alinhados ao currículo. E existem outros elementos. Enquanto a formação pode ser episódica e limitada, a política de formação é sistemática e estruturada, com normativas que asseguram sua continuidade e profundidade, mesmo entre diferentes gestões. Uma formação eficaz deve ser ativa, permitindo a aplicação prática do conhecimento adquirido. Além disso, precisa ser colaborativa, prolongada, com início, meio e fim bem definidos, e seguir uma narrativa coerente.
Para evitar a fragmentação e descontinuidade, Dayana considera importante estruturar políticas públicas que sistematizem o programa de formação, garantindo sua sustentabilidade e evitando que seja uma ação isolada. “Se você perguntar para secretarias de educação em todo o Brasil, todas vão afirmar que realizam formações. E, de fato, elas realizam”, pondera.
Segundo Dayana, ao serem analisados cuidadosamente, descobre-se os motivos de tais programas ainda falharem em capacitar e permitir que docentes se sintam seguros em aplicar, na prática da sala de aula, o que aprenderam. “Essas formações, muitas vezes, estão desconectadas, e os professores não têm tempo suficiente para participar”, afirma. O desengajamento é uma consequência desse cenário.
O programa de formação também precisa estar envolto por ações para aumentar o engajamento e a motivação dos professores. Isso é possível por meio de mecanismos como certificações, progressão na carreira e incentivos financeiros. Dayana menciona Sobral (CE), Joinville (SC) e a rede estadual do Paraná como exemplos de redes que têm seguido um caminho adequado neste tipo de política, com impactos positivos inclusive no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Inspirações a partir de um modelo europeu
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), entidade responsável pelo PISA (prova internacional para estudantes de 15 anos), coordena um trabalho internacional sobre políticas e práticas de educação financeira com representantes de instituições públicas de mais de 100 países.
Em setembro de 2023, a OCDE e a INFE (sigla em inglês para Rede Internacional de Educação Financeira), em conjunto com a União Europeia, publicou uma matriz de Competências Financeiras para Crianças e Jovens, que tem o objetivo de orientar o trabalho em diferentes países.
“Entre outras coisas, espera-se que o material apoie a integração de elementos de alfabetização financeira nos currículos escolares, assim como o desenvolvimento de programas específicos de alfabetização financeira e materiais de aprendizagem para crianças e jovens, que possam ser implementados na escola e em outros contextos, incluindo a criação de material didático e ferramentas educacionais para professores”, disse ao Porvir Miles Larbey, chefe da Unidade de Proteção, Educação e Inclusão do Consumidor Financeiro na Direção de Assuntos Financeiros e Empresariais da OCDE.
Os objetivos principais incluem capacitar crianças e jovens com conhecimento, habilidades, atitudes e comportamentos necessários para:
- Gerenciar dinheiro de forma eficaz a curto e longo prazo, garantindo, por exemplo, que saibam como e por que é importante guardar dinheiro de maneira segura e que possam preparar um orçamento para administrar despesas e receitas básicas.
- Tomar decisões financeiras bem informadas e conscientes das consequências, além de saber onde encontrar ajuda. Isso inclui a importância de poupar para emergências e a confiança para buscar assistência quando necessário.
- Ter uma compreensão básica do cenário econômico e financeiro, familiarizando-se com os principais produtos e serviços financeiros, bem como com o papel das principais instituições no sistema econômico e financeiro (incluindo aspectos tributários).
- Estar adequadamente preparados para os aspectos econômicos e financeiros da vida adulta, possuindo a alfabetização financeira necessária para tomar uma ampla gama de decisões financeiras pessoais relevantes para suas vidas adultas.
Para alcançar tais objetivos, a OCDE também faz coro sobre a atenção para a formação docente. Tais argumentos estão presentes no documento “OECD/INFE Guidance on Digital Delivery of Financial Education” (“Orientação da OCDE/INFE sobre a implementação digital de educação financeira”), que considera o uso de plataformas online uma boa estratégia para ensinar educação financeira, mas alerta sobre a necessidade de preparar os professores para a implementação dos programas. “A tecnologia, por si só, não basta para melhorar os resultados de aprendizagem se formadores e professores não tiverem a competência necessária para utilizá-la de forma pedagógica adequada”, afirma o documento, em um tom que ressoa com os desafios de acesso e de formação enfrentados pelos educadores brasileiros, que ainda estão em um estágio de familiarização em relação às ferramentas digitais, conforme demonstrou um estudo no pós-pandemia.
No setor de educação formal dos países da OCDE, apenas 54% dos professores relataram que o uso de tecnologia da informação e comunicação (TIC) no ensino foi abordado em sua formação inicial, e apenas 43% disseram se sentir bem ou muito bem preparados para ensinar com TIC ao final dessa formação (OCDE, 2019d). Além disso, é provável que ainda menos formadores possuam habilidades específicas de ensino digital e experiência em educação a distância no contexto da educação financeira.
Diante desse cenário, a OCDE, na coletânea “Innovating teachers’ professional learning through digital technologies” (“Inovando na formação profissional dos professores por meio de tecnologias digitais”), que reúne trabalhos em diferentes frentes sobre formação docente, a organização destaca que é importante entender como os professores aprendem, o que os motiva e quais contextos facilitam o aprendizado. Aspectos como aprendizagem ativa, compartilhamento de boas práticas, mentoria e feedback são essenciais para o desenvolvimento profissional. Além disso, as comunidades online são especialmente úteis para professores iniciantes, ajudando-os a fortalecer sua identidade e confiança.