Com elementos de mistério e investigação, aula de química ganha atividades práticas
Em uma cena de crime, digna de uma obra de Agatha Christie, é preciso prestar muita atenção aos detalhes. A quais elementos da química um bom investigador pode recorrer para desvendar um mistério? O projeto “Faces do Crime”, desenvolvido por mim no Centro de Ensino em Período Integral Gomes de Souza Ramos, em Anápolis (GO), usou esses elementos para instigar nos alunos do ensino médio o interesse por carreiras científicas, resolução de problemas reais e o desenvolvimento de habilidades críticas e reflexivas.
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Mesclando química com investigação criminal e a Lei Seca (Lei 11.705/2008), o projeto foi desenvolvido em 2023 durante uma eletiva com o mesmo nome. Participaram do projeto estudantes das três séries do ensino médio. Em ocasiões específicas, alunos de todo o colégio também acompanhavam as ações, como palestras e oficinas com profissionais do ramo investigativo que visitaram a escola.
Em todas as nossas aulas, trabalhamos tanto com textos teóricos quanto com situações práticas, utilizando metodologias ativas. A eletiva ocorria semanalmente e ocupava duas aulas do período da turma. A cada aula, um novo tema era proposto, como, por exemplo, a Lei Seca.
Nesse dia, pesquisamos casos envolvendo a legislação no contexto da nossa região. Antes de introduzir o conteúdo e falar sobre a lei ou criar materiais – que eles próprios faziam usando o Canva – debatíamos a realidade social local. Os alunos traziam um pouco de suas experiências, principalmente com as famílias, e com isso iniciávamos as conversas.
Escolhi trabalhar com a Lei Seca porque percebo que, entre os jovens, o índice de embriaguez ao volante é alto e, na minha turma, alguns alunos relataram que irmãos, primos e parentes próximos já se envolveram em acidentes.
Também trabalhamos com datiloscopia, que é o estudo das impressões digitais para identificação, e papiloscopia, que analisa as cristas papilares presentes nas pontas dos dedos, palmas das mãos e plantas dos pés. Fizemos uma introdução ao tema, destacando como ocorrem as coletas de impressões digitais em uma cena de crime e a importância do profissional que atua nessa área. Para finalizar a aula, apresentávamos uma situação-problema – geralmente um suposto crime –, na qual os estudantes aplicavam o que haviam aprendido.
Eles aprenderam a coletar impressões digitais em cenas de crime e fizeram análises para encontrar ou levantar um suspeito em uma cena de assassinato. Utilizando conhecimentos de química, realizaram processos de identificação de substâncias desconhecidas.
Para essas análises, fomos ao laboratório de ciências. Nessa aula, tínhamos três substâncias muito semelhantes (pós brancos): bicarbonato de sódio, fermento em pó e amido de milho.
Os alunos realizaram testes para diferenciar uma substância da outra usando técnicas de solubilidade, densidade e comportamento em diferentes temperaturas. O fermento em pó, por exemplo, inicia a fermentação quando a temperatura aumenta. Usamos equipamentos simples como pipetas, placas de Petri, espátulas, entre outros.
É válido destacar que a coleta de impressões digitais que fizemos em aula não é a mesma feita por profissionais da área, mas sim uma alternativa. Usamos carvão vegetal: trituramos o material e, com o auxílio de um pincel, os estudantes aplicavam o conteúdo no local onde acreditavam haver muitas impressões digitais, como a geladeira da escola, o micro-ondas ou maçanetas.
Ao longo do projeto, investigamos vários crimes fictícios, às vezes envolvendo professores. Também estudamos casos reais. Ao tratar do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), refletimos sobre o caso do menino Bernardo Boldrini, assassinado pelos pais com uma superdosagem de medicamentos. Ele também sofria violência doméstica.
Fizemos uma cena fictícia em que um professor havia sido assassinado em uma noite chuvosa. Do local do crime, foram coletadas três impressões digitais – que pertenciam a alunos do grupo. Para chegar ao suspeito, eles coletaram as digitais de toda a turma usando tinta de carimbo em uma ficha datiloscópica. Em seguida, compararam com as digitais coletadas na falsa cena do crime.
A aula inaugural do projeto foi sobre o filme “Assassinato no Expresso do Oriente“, baseado na obra de Agatha Christie, que envolve um mistério rocambolesco. Nele, uma pessoa é morta durante uma viagem de trem e todos os passageiros são suspeitos, cabendo ao detetive Hercule Poirot desvendar o enigma.
Essa primeira aula ajudou os estudantes a compreenderem os princípios de uma investigação. Antes de finalizar o filme e descobrir o culpado, a turma se reuniu para pensar nas possibilidades e sugerir o nome do possível responsável.
Um dos pontos primordiais do projeto foi a interação com profissionais da área, algo que quis fazer desde o início. Muitos estudantes escolheram essa disciplina após saberem que meu plano incluía convidar profissionais de áreas que gostariam de atuar no futuro.
Recebemos a Escola da Polícia Civil de Goiânia, que fez uma apresentação sobre drogas e carreira militar. Outra participação marcante foi do advogado Giovanni Machado, que tem forte presença nas redes sociais. Ele tirou dúvidas sobre a atuação e criou uma cena de crime de tráfico de drogas, abordando o papel do advogado nesse processo. Eles criaram uma espécie de júri popular neste exercício, e o advogado explicou conceitos como habeas corpus e flagrante.
O objetivo da minha disciplina era fazer com que os alunos interessados em seguir carreiras no Direito, na polícia, como delegados, juízes ou investigadores, mergulhassem um pouco nessa área para sentir o que é a profissão. Nas aulas, eles ficavam sempre muito entusiasmados, querendo saber o que seria abordado em seguida.
Os conceitos reforçados ao longo do projeto foram densidade e solubilidade, além de outros relacionados à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), como comunicação, compreensão, leitura e interpretação de textos. Foi bastante interdisciplinar.
A culminância do projeto foi com uma exposição feita em uma das salas da escola, onde nós refletimos sobre tudo o que foi aprendido
Ludmilla Rayanne Santos de Sousa
Licenciada em Química pelo IFG e em Pedagogia pela Uninter, é professora efetiva na rede municipal de educação de Pirenópolis e contratada temporária na rede estadual de Goiás. Pós-graduada em Docência no Ensino Superior, Jogos e Brincadeiras no Ensino de Ciências e Neuropsicopedagogia. Atualmente, faz pós-graduação em Educação Contemporânea.