como foi o boom em 2024

como foi o boom em 2024
Publicado em 23/12/2024 às 7:56

O ano de 2024, como todos os anteriores, trouxe alguma novidade. O Brasil, por exemplo, se viu refém das casas de apostas, conhecidas como bets, e outros jogos de azar. No caso das bets, elas até já existiam por aqui, mas em menor quantidade.

2024 viu o número desses sites explodir em centenas deles, chegando a deixar as pessoas que gostam de apostar confusas. A falta de regulação foi um dos motivos que causou esse crescimento desenfreado. E muitas delas, supostamente, estariam envolvidas com facções criminosas visando lavagem de dinheiro.

O que também surgiu com tudo foi o jogo Fortune Tiger, conhecido por aqui como “jogo do tigrinho“. Muito divulgado por influenciadores digitais, a mecânica da enganação faz com que a vítima pense que ganhar no jogo é fácil, pois os influenciadores mostram que, supostamente, basta apostar um valor que a vitória é praticamente garantida. Mas, quando o usuário vai tentar, nunca ganha.

O uso desenfreado dessas ferramentas de aposta fez o governo, o Ministério Público (MP) e a Polícia Federal (PF) começarem a investigar e a por um freio em tudo isso. O governo, por exemplo, criou uma lei para regularizar as bets, de modo a combater a ilegalidade de muitas delas. Já MP e PF passaram a investigar essas empresas e influenciadores que divulgam o jogo do tigrinho e outros games feitos para que a pessoa aposte cada vez mais, sem nunca ganhar.

Nesse universo, rola muito dinheiro. Isso ficou claro, por exemplo, no futebol, pois 2024 também foi o ano das bets no esporte. Várias dessas empresas firmaram acordos com clubes de futebol para patrociná-los — e as cifras são altíssimas.

Na última semana, por exemplo, o Atlético/MG firmou parceria com uma dessas empresas de aposta, o que lhe rendeu o maior contrato de patrocínio da história do clube e de Minas Gerais. Já o Corinthians contratou, em setembro, o midiático jogador holandês Memphis Depay, cujo salário é pago, em boa parte, pela bet que patrocina o clube paulista.

Outro lado que essa tecnologia aborda é o psicológico, pois muitas pessoas acabam se viciando, esperando ganhar, enquanto colocam mais e mais dinheiro, causando sua ruína e a de seus familiares, pois perdem dinheiro e outras posses.

Dito isto, o Olhar Digital vai contar, nas próximas linhas, como esse mercado chacoalhou o País em todos os setores da sociedade brasileira.

Há os que apostam menos, mas há muitos que criam vício (Imagem: Saulo Ferreira Angelo/Shutterstock)

Explosão das bets e regulação

As bets foram liberadas no Brasil em 2018, mas não houve regulamentação apropriada. No ano passado, o governo deu início ao processo de regulamentação e cobrança de impostos sobre as apostas. Também no ano passado, foi aprovada uma lei no Congresso, bem como a edição de vários atos pelo Ministério da Fazenda. Em julho, o governo noticiou que as bets finalmente teriam regulações mais robustas.

Agora, elas precisam validar a identidade de seus apostadores, bem como qualificá-los e realizar classificações de risco de cada um deles. Além disso, elas são obrigadas a comunicar quaisquer movimentações suspeitas nas plataformas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do governo que opera contra lavagem de dinheiro.

As obrigações estão em portaria liberada pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, publicada em 12 de julho no Diário Oficial da União (DOU). À época, o g1 apurou que a portaria advém de várias normas que o Ministério publicou ainda em julho para oficializar uma lei, de 2023, que regulamenta o mercado de apostas esportivas e jogos online. Uma dessas portarias trata exclusivamente de jogos online, que inclui os já populares caça-níqueis online, como o jogo do tigrinho.

A portaria explica que, na qualificação do apostador, estará a avaliação da compatibilidade entre a condição financeira dele e as apostas feitas por ele e, a partir daí, checar se ele é uma pessoa politicamente exposta ou próxima de alguma nessa condição.

As movimentações que devem receber maior atenção são as que ofereçam sinais de falta de fundamentação econômica ou legal, sejam incompatíveis com as práticas comuns do mercado, que ofereçam indícios de lavagem de dinheiro, ou, ainda, de financiamento ou à proliferação de armas de destruição em massa.

Outros pontos de destaque são:

  • Apostas esportivas na condição de bolsas de apostas (as bet exchanges, onde o fator multiplicador de aposta [odds] é definida pelos próprios apostadores), na qual haja indício de combinação entre os apostadores para diferentes resultados e, assim, dividirem o prêmio entre eles;
  • Movimentações anormais de valores, podendo sugerir o uso de ferramentas automatizadas;
  • Incompatibilidade entre operações realizadas pelo apostador e sua situação financeira aparente ou profissão.

As informações precisam ser guardadas pelas bets por, ao menos, cinco anos. E não só os apostadores precisarão ser classificados: funcionários e fornecedores também passarão pelo crivo. As regras, contudo, só valerão a partir de 1º de janeiro de 2025, mesma data na qual o mercado regulatório de apostas passa a valer no Brasil.

Em nota publicada à época, a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) entende que a portaria é positiva. “Uma vez que traz medidas a serem implementadas pelos operadores que vão contribuir para o controle da integridade da indústria no Brasil”, afirmou.

Ela também pontuou que, como as medidas serão tomadas por bets atuantes de forma regular no País, “reforça a importância do combate aos sites clandestinos, que não terão qualquer compromisso com essas regras”.

Hoje, são quase 200 sites pertencentes a cerca de 90 empresas que estão disponíveis de forma oficial. Na lista, há o nome das empresas e seus respectivos sites. Apenas as bets que passaram por critérios técnicos e pagaram R$ 30 milhões à União foram habilitadas oficialmente. Já as que ficaram de fora da lista do governo não podem mais operar jogos de apostas no País até que obtenham autorização final, salvo casas de apostas com concessões estatais.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, estimou que a Anatel derrubaria de 500 a 600 sites de apostas. Contudo, dois empresários do setor disseram à Folha de S.Paulo que este número poderia ser de mais de dois mil.

Os apostadores que tinham dinheiro guardado nos sites de apostas proibidos pelo governo foram orientados a retirar os valores até 10 de outubro. A partir do dia 11, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) começou a derrubar os sites das bets irregulares. O órgão está realizando a operação com base em lista de links de sites de apostas produzida pela Fazenda.

Na lista, constam as bets que podem operar em âmbito nacional e estadual. São empresas que pediram ao governo federal, até 17 de setembro, para operar sites de apostas por aqui. Naquela época, Haddad também disse que o governo estudava bloqueio a formas de pagamento, como cartão de crédito, e analisava o veto ao uso do cartão do Bolsa Família nas bets.

O ministério pensava, ainda, em acompanhar a evolução dos prêmios em cada CPF. “Quem aposta muito e ganha pouco está com dependência psicológica, quem aposta pouco e ganha muito está geralmente lavando dinheiro”, afirmou Haddad. E essa deixa do ministro nos leva ao lado obscuro das bets: o vício.

Pessoa apostando no celular
Legislação recém-implementada tenta brecar bets em algumas questões, além de protegê-las, bem como aos apostadores (Imagem: New Africa/Shutterstock)

Exacerbação do vício

Com a incrível quantidade de casas de apostas em operação no Brasil, vimos uma situação muito triste aumentar. Já estávamos “acostumados” com pessoas viciadas em drogas, bebidas alcoólicas e outros vícios, mas as apostas esportivas reacenderam esse tipo de dependência.

Há décadas, espaços, como cassinos e bingos, são proibidos em território brasileiro, bem como os jogos de azar praticados nesses lugares. Bingo, por exemplo, só vemos em ações beneficentes. Claro que, infelizmente, há muitos que operam na clandestinidade (inclusive o jogo do bicho), o que já causava transtornos aos apostadores viciados e aos que os rodeiam. Só que as bets levaram o vício a outro nível.

Isso ficou claro, por exemplo, entre a população mais carente. Em setembro, o Banco Central (BC) soltou levantamento que apontava que, apenas em agosto, cadastrados no Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões do programa em apostas esportivas.

Os R$ 3 bilhões foram apostados por cerca de 24 milhões de pessoas em jogos de azar. O BC estimou que 15% desse total foram para as bets e, o restante, distribuídos como prêmio aos apostadores. Mas vale ressaltar: o estudo avaliou dados de apenas 56 bets, ou seja, o número, com certeza, é bem maior.

A média de idade das pessoas que usaram o benefício para apostar é entre 20 e 30 anos. Os mais jovens costumam gastar R$ 100, enquanto os mais velhos, mais de R$ 3 mil. Na visão do BC, “é razoável supor que o apelo comercial do enriquecimento por meio de apostas seja mais atraente para quem está em situação de vulnerabilidade financeira”.

E isso se refletiu em outro dado coletado pela Associação Brasileira das Entidades de Mercado (Anbima), que apontou que as bets estão mais populares que os investimentos no Brasil (mesmo aqueles considerados seguros, nos quais as chances de perda de dinheiro são quase nulas).

Os dados apontaram que 14% da população (em torno de 22 milhões de pessoas) realizou, ao menos, uma aposta online, ante apenas 2% de pessoas que investiram na Bolsa de Valores. Apenas a poupança superou as apostas (25%).

Outro estudo, este da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), trouxe que, entre junho de 2023 e junho de 2024, foram incríveis R$ 68,2 bilhões gastos pela população com bets.

Onde o ato de apostar deixa de ser sadio e vira dependência?

O chamado transtorno do jogo é condição reconhecida pela Associação Americana de Psiquiatria como “padrão de apostas repetidas e contínuas, mesmo diante de problemas significativos na vida pessoal, familiar e social do indivíduo”.

Você já deve ter visto alguém assim: (ou passou por isso): com compulsão incontrolável por arriscar, acreditando que a próxima aposta vencerá, com dificuldades em controlar seus gastos e, até mesmo, indiferença diante de dívidas acumuladas.

Os jogos de azar sempre fizeram parte da história da humanidade, mas a forma como são acessados e praticados sofreu transformações significativas. As atividades que citamos, como caça-níqueis, bingos e jogo do bicho, dependiam de espaços físicos, mas as apostas online são diferentes, pois são acessíveis a qualquer momento, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Esse avanço tecnológico intensificou o impacto dessas práticas, transformando o que antes era restrito em epidemia contemporânea.

“Máquinas caça-níqueis, por exemplo, são altamente aditivas devido ao reforço imediato. Você sabe se ganhou ou perdeu na hora, e essa rapidez no retorno potencializa o risco de dependência. Hoje, porém, temos uma espécie de caça-níquel portátil. Se não é futebol, é vôlei. O acesso é constante, e o jogador pode apostar durante o dia inteiro”, explica, ao portal Drauzio Varela, Elizabeth Carneiro, especialista em dependência clínica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora da Clínica Espaço Clif.

A facilidade de acesso aos jogos de azar pela internet elimina barreiras sociais e físicas que, antes, atuavam como freios ao comportamento compulsivo. Não é mais necessário frequentar casas de apostas ou bingos, onde restrições, como idade mínima, poderiam desencorajar alguns jogadores.

Agora, com um simples smartphone, é possível participar de apostas de maneira discreta, intensificando o risco de vício. Além disso, empresas de tecnologia utilizam dados dos usuários para criar estímulos mais eficazes, prendendo a atenção e incentivando o consumo contínuo.

As bets conquistaram o público brasileiro ao se integrarem à cultura esportiva do País. Comentários casuais, como “Quem vai marcar o primeiro gol?” ou “Quantas faltas ocorrerão na partida?” podem facilmente se transformar em apostas, contribuindo para a normalização do jogo como uma atividade social.

Muitos apostadores acreditam que seu conhecimento sobre esportes reduz os riscos, mas essa impressão de controle é ilusória. Segundo Leonardo Carriço Apostolatos, psiquiatra do Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, ao site, as apostas seguem sendo baseadas em probabilidades.

“Os sites de apostas trabalham com cálculos complexos elaborados por especialistas, o que mantém a aleatoriedade como fator constante. O conhecimento profundo do esporte pode gerar falsa sensação de controle, mas isso acaba reforçando o comportamento aditivo”, explica.

A combinação de facilidade de acesso, reforço imediato e a ilusão de controle tornou os jogos de azar mais atraentes e perigosos. Especialistas alertam que a conscientização sobre os riscos é crucial para conter o avanço desse problema.

Ilustração de cérebro humano
Como funciona o cérebro de uma pessoa viciada em apostas? (Imagem: MilletStudio/Shutterstock)

E o cérebro de um apostador? Como é?

Segundo o psiquiatra Lucas Spanemberg, do Instituto do Cérebro da PUC-RS, o transtorno do jogo tem raízes similares a outros vícios, como os relacionados a substâncias (álcool e drogas) ou comportamentos (sexo e compras).

“Nosso cérebro possui circuito de recompensa no sistema límbico, responsável por proporcionar sensações de prazer e gratificação. A liberação de dopamina nesse circuito é essencial para nossa sobrevivência e evolução”, explica Spanemberg à BBC.

No entanto, comportamentos aditivos, como as apostas, liberam dopamina em níveis desproporcionais. “Se em uma experiência prazerosa comum a liberação é equivalente a dez, no caso de elementos aditivos, essa intensidade pode chegar a 100”, compara

Essa descarga exagerada inaugura novo parâmetro químico no cérebro, distorcendo a cognição e alimentando a necessidade de repetição do comportamento.

Comprometimento das decisões racionais

Além do sistema límbico, outras áreas do cérebro também sofrem impacto. O médico Vinícius Andrade, da Associação Brasileira de Psiquiatria, explica à BBC que regiões, como o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões, apresentam redução na atividade. “Estudos indicam menor conectividade em áreas, como o córtex medial orbitofrontal, o córtex cingulado anterior e o striatum, além de alterações na amígdala, que regula o estresse”, detalha.

Essas mudanças dificultam decisões ponderadas, como evitar gastos excessivos em apostas de resultado incerto. Com o vício, o indivíduo enfrenta cenário em que os sistemas de recompensa e controle racional estão em desequilíbrio.

Por que algumas pessoas desenvolvem o transtorno?

Estudos apontam que entre 0,4% e 0,6% da população global é afetada pelo transtorno do jogo, embora a prevalência varie por região. Em populações que apostam regularmente, como no Brasil, a porcentagem é mais alta.

“Estima-se que 12% a 15% dos brasileiros apostam regularmente, e cerca de 15% desse grupo enfrenta dificuldades relacionadas ao jogo”, diz Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório de Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria da USP.

Fatores, como predisposição genética, idade de exposição precoce e presença de outras condições psiquiátricas, como depressão, aumentam a vulnerabilidade ao transtorno.

Diagnóstico e tratamento

O transtorno do jogo é identificado quando o indivíduo apresenta ao menos quatro dos sintomas descritos pela Associação Americana de Psiquiatria, como pensamentos frequentes sobre apostas, perda de controle, uso de apostas para lidar com estresse ou problemas financeiros, e impactos negativos na vida pessoal e profissional.

O tratamento pode incluir terapia cognitivo-comportamental, que ajuda a reformular padrões de pensamento e comportamento, e a entrevista motivacional, que avalia a consciência do paciente sobre seu vício. Em alguns casos, são prescritos medicamentos, como antagonistas opioides, que ajudam a reduzir a compulsão.

Grupos de apoio, como Jogadores Anônimos e Gaming Addicts, também desempenham papel importante na recuperação.

Impacto na saúde pública

Com o crescimento das bets, especialistas alertam para aumento nos casos de transtorno do jogo. “Se o jogo for regulamentado como forma de arrecadação fiscal, será necessário investir em saúde pública para tratar o impacto na saúde mental e nas finanças das famílias”, conclui Tavares.

A demanda por tratamento está em alta, com longas filas de espera em serviços especializados. Para especialistas, o fenômeno requer resposta integrada, envolvendo regulação, conscientização e ampliação do suporte aos afetados.

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Soluções em nuvem ajudam as bets a garantir o melhor sistema possível para seus clientes (Imagem: LookerStudio/Shutterstock)

Parte tecnológica

Quando falamos de várias apostas em tempo real em cima de centenas e centenas de partidas, com milhões de apostadores online, até dá imaginar que a tecnologia por trás disso seja gigantesca. Podemos imaginar um data center lotado com uma bela (e parruda) internet voltada apenas para esse fim.

Mas, será que o sistema por trás de tudo isso não fica pesado, com tantas bets no ar, tantas transações e tantos apostadores? Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação, diz ao Olhar Digital que não é bem assim.

“Basicamente, é questão de tráfego. Hoje, a estrutura da internet é muito baseada em serviços escaláveis. Não é como antigamente, onde se tinham servidores. Atualmente, os serviços rodam em nuvem, em servidores dinâmicos, onde conseguem adicionar capacidade praticamente em tempo real. Esses serviços só saem do ar em casos muito extremos. As bets atendem, muitas vezes, a eventos esportivos, em situações que podem ter aumento de demanda de uma hora para outra, mas, sobrecarga de sistemas é um cenário pouco provável”, explica.

Já para Horácio Ibrahim, co-CEO e Data Product Manager da Agnostic Data, a situação de uma eventual sobrecarga é plausível, a depender de como o sistema da empresa é formado. “A sobrecarga nos sistemas tecnológicos devido ao tráfego elevado em sites é uma questão relevante, especialmente para serviços que requerem operações em tempo real. Embora a infraestrutura global da internet e servidores em grande escala, como os de grandes provedores de nuvem, geralmente suportem bem cargas elevadas, as empresas individuais podem, sim, enfrentar sobrecargas se suas arquiteturas não forem adequadamente dimensionadas”, explana.

Sobre o sistema de hardware que as bets precisam ter, ele complementa o que foi dito por Igreja:

As bets processam grandes volumes de dados transacionais e analíticos, muitas vezes, em tempo real, incluindo transações financeiras, atualizações de cotações e apostas, monitoramento de usuários.

Nesse cenário, evidentemente, exige preparação para grandes quantidade de eventos, como sistemas de mensagens/eventos com tecnologias, como [o Apache] Kafka [plataforma de armazenamento de eventos distribuídos e processamento de fluxo] ou RabbitMQ [software de mensagens] para processamento de eventos em tempo real e banco de dados que permite escalabilidade horizontal e baixa latência, como mongoDB, Cassandra, DybamoDB, dentre outros.

Horácio Ibrahim, co-CEO e Data Product Manager da Agnostic Data, em entrevista ao Olhar Digital

Derrubada dos sites proibidos

Assim como vemos nos casos das redes piratas de IPTV e de redes sociais que descumprem medidas da Justiça, como aconteceu recentemente com o X, a Anatel é a responsável por coordenar a derubada dos sites de bets que não podem mais operar por aqui.

Igreja, contudo, aponta que a forma para tirar esses sites do ar se assemelha mais com a derrubada de plataformas sociais, pois, “em um primeiro momento, são monitorados os domínios [das IPTVs], mas eles podem criar outras rotas. Diria que tem menos a ver com as IPTVs e mais a ver com o episódio que vimos com o X ao longo do ano. Se tenta derrubar o site que as pessoas normalmente acessavam ou o caminho que o aplicativo eventualmente fazia. Porém, podem colocar aquela camada extra, por exemplo, usando o serviço da Cloudflare. Em um segundo momento, pode-se monitorar o fluxo financeiro para ver se as contas ativas ainda estão recebendo depósitos”.

Ibrahim detalha a parte mais “burocrática”: “De modo geral, [a retirada dos sites do ar] ocorre por solicitação aos provedores para a retirada do site. Segundo a Secretaria de Comunicação Social [do governo federal], esses bloqueios ocorrem por meio de uma série de ações coordenadas entre diferentes órgãos governamentais, incluindo a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), o Ministério da Fazenda, a Polícia Federal, além de empresas de tecnologia e provedores de internet. O processo envolve tanto a identificação das plataformas não autorizadas quanto a execução de medidas para impedir seu funcionamento no País.”

Quando se fala da questão de segurança, é inegável que esses sistemas devem ser robustos como os de bancos, por exemplo.

“Com a ressalva das devidas proporções, como as instituições financeiras, as bets processam milhões de transações diariamente, incluindo depósitos, saques e transferências. Esses dados precisam ser protegidos contra fraudes, hackers, vazamentos, manipulações. Obviamente, não estão livres do alto risco de ataques cibernéticos e podem ser alvos frequentes de DDoS (Distributed Denial of Service), phishing e tentativas de exploração de vulnerabilidades, assim como redes bancárias”, prossegue Ibrahim.

Igreja também destaca a questão da segurança em torno do dinheiro dos apostadores e cita, ainda, sua privacidade.

“[O sistema das bets] precisa ser muito robusto, porque temos algumas complicações. Primeiro, as pessoas fazem depósitos, então, tem essa questão da custódia de dinheiro, de créditos, ou seja, digamos que uma pessoa já fez ou não sua aposta, mas tem o dinheiro dela lá. Então, esse recurso, se ele for acessado, transferido, desviado, se está lesando as pessoas. E, segundo, tem usuários e senhas, ou seja, tem tudo a ver com LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais]. Tem essa complicação do cadastro, do crédito, do dinheiro. O nível de robustez e de segurança precisa ser mais elevado”, pontua.

Martelo de juiz em cima de notas de dinheiro
Regulação também deu mais respaldo ao consumidor, inclusive, se ele precisar acionar a Justiça (Imagem: alfexe/iStock)

E a questão jurídica, como fica para o consumidor?

Mais no começo deste texto, falamos sobre a regulamentação das bets, ou seja, mais o que isso representa para o governo, que recebeu milhões em taxas para autorizar o cadastro das empresas, bem como pediu critérios mínimos para aceitação, de modo a não lesar o consumidor, nem a máquina pública.

Mas e os apostadores? Como fica a questão jurídica? Eles estão amparados caso precisem acionar a Justiça contra sua casa de apostas?

Segundo Kristian Rodrigo Pscheidt, Sócio especialista em direito político e econômico do escritório MV Costa Advogados, ao OD, o Código de Defesa de Consumidor (CDC) sempre pode entrar em ação. “Desde 11 de setembro de 1990, existem diretrizes básicas sobre os direitos dos consumidores no Código de Defesa do Consumidor que, na falta de lei específica, é aplicado em qualquer relação de consumo”, explica.

Já Fernando de Jesus Santana, especialista em direito privado no escritório Wilton Gomes Advogados, explica como era o cenário para as bets quando elas começaram a surgir no Brasil, nos idos de 2018.

“Antes da regulação, muitas empresas de apostas esportivas operavam no Brasil aproveitando lacunas jurídicas, já que a Lei 13.756/2018 permitiu a modalidade de apostas de quota fixa, mas não estabeleceu diretrizes práticas para operação e fiscalização. Isso criou ambiente em que as empresas funcionavam sem supervisão rigorosa. Por outro lado, o consumidor tinha pouca ou nenhuma garantia em caso de problemas, como falta de pagamento de prêmios ou práticas abusivas, ficando praticamente desprotegido”, diz.

Por sua vez, Pscheidt conta como a nova regulamentação colocada em prática este ano protege os apostadores. “A partir da lei de 2023, o Ministério da Fazenda recebeu a competência de regular o setor de apostas de quota fixa e criou, em 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA-MF). Sua prioridade é fazer o setor atuar de forma regulada e controlada. Neste mesmo ano, foram publicadas mais de dez portarias com todas as regras relacionadas às apostas de quota fixa. Essas portarias trazem segurança para empresas de apostas e jogadores”, aponta.

Santana complementa trazendo, também, o resguardo que as empresas de apostas online passaam a ter com a nova lei. “A regulação trouxe segurança jurídica para as empresas, permitindo que operem de forma legal e transparente mediante a obtenção de uma licença. Ela também estabelece padrões mínimos de operação, como auditorias regulares e práticas de compliance, além de percentual de tributação destinado ao governo”, explica, e prossegue:

“Para o consumidor, as regras exigem maior transparência das empresas, estabelecendo canais de atendimento, proteção contra práticas abusivas e a garantia de que somente operadoras licenciadas e fiscalizadas podem atuar. Isso reduz os riscos de fraudes e melhora a confiança na plataforma escolhida.
Ademais, foram criados mecanismos para a inibição da atuação irregular, como a proibição de que agentes e instituições bancarias permitam que bets que não estejam devidamente autorizadas possam abrir contas ou operar.”

E se houver problemas com a bet? O que o usuário pode fazer? “O primeiro ponto é sempre buscar a solução com a própria empresa. Não havendo solução, pode buscar auxílio do Procon, com a instauração de eventual processo administrativo. Também, se sentir-se lesado, é possível também buscar o Poder Judiciário para eventuais indenizações, tanto por prejuízos financeiros verificados (dano material) quanto por lesão à imagem da pessoa (dano moral)”, detalha Pscheidt.

Smartphone com uma bet aberta
Após a regulação de 2024, as casas de apostas tendem a se manter firmes e fortes em 2025? (Imagem: Shutterstock)

Futuro das bets no País

Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que, caso a regulação das bets não funcionasse, ele acabaria com elas.

Nós lutamos pela regulação. Nesta semana [outubro], mais de duas mil bets saíram do ar. Então, nós vamos ver se a regulação dá conta. Se a regulação der conta, está resolvido o problema. Se não der conta, eu acabo, para ficar bem claro.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Presidente do Brasil, entrevista à Rádio Metrópole, da Bahia, em outubro de 2024

Contudo, os dois advogados deixam bem claro: Lula não tem poderes para dar fim a uma atividade regulamentada apenas por sua vontade, mesmo com decisão unilateral. Portanto, a tendência é que as bets permaneçam fortes no Brasil em 2025?

“A tendência é que o governo mantenha a regulação, especialmente porque as apostas esportivas já representam importante fonte de arrecadação tributária e geram empregos. Contudo, é crucial que o modelo de regulação funcione adequadamente, garantindo tanto o cumprimento das obrigações pelas empresas, quanto a proteção do consumidor.

Ademais, o presidente não tem o poder de acabar com uma atividade que está regulamentada, e em parte sancionada por ele mesmo, como é o caso da Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Há outros mecanismos para, eventualmente, ‘acabar’ com as bets, mas nenhum deles se daria por decisão unilateral do presidente. A fala do presidente Lula reflete a preocupação com possíveis falhas no sistema, mas medidas corretivas poderiam ser implementadas antes de uma proibição total.

Fernando de Jesus Santana, especialista em direito privado no escritório Wilton Gomes Advogados, em entrevista ao Olhar Digital

E se você chegou até aqui e quer saber porque as bets e as loterias federais são permitidas no Brasil, enquanto bingos, cassinos, etc., não, os especialistas explicam.

“A principal diferença está na legislação. As apostas esportivas de quota fixa legalizadas pela Lei 13.756/2018, [são] enquadradas como jogos de habilidade e previsão, não de azar puro, como bingos e cassinos. Essa classificação permitiu que as bets fossem regulamentadas separadamente. Em síntese, nas bets, por serem de quotas fixas, há certa previsibilidade. Por sua vez, os jogos de azar, além da inexistência de previsibilidade, também não há transparência”, ressalta Santana.

Por sua vez, Pscheidt comenta sobre as loterias federais, como Mega-Sena, Lotofácil e Quina:

Os jogos de azar no Brasil foram proibidos no país pelo Decreto-Lei de 1946. O artigo 50 da Lei de Contravenções Penais estabelece que fazer apostas é contravenção penal, punível com prisão simples de 15 dias a três meses, ou multa. Com a criação da Lei 13.756, em 2018, uma nova modalidade de loteria foi criada, o que acarretou uma mudança na classificação das apostas de quota fixa no Brasil, que são, na verdade, as apostas esportivas, passaram a ser enquadradas como loteria, o que no Brasil é considerado serviço público. Destaca-se que existe movimento legislativo bastante importante atualmente em tramitação, que visa legalizar os jogos de azar no país, dado o potencial arrecadatório desta modalidade de atividade empresarial.

Kristian Rodrigo Pscheidt, Sócio especialista em direito político e econômico do escritório MV Costa Advogados, em entrevista ao Olhar Digital

Pessoa em um estádio segurando um smartphone com uma bet na tela
Regulamentação foi importante passo, mas é preciso (muito) mais (Imagem: RSplaneta/Shutterstock)

Para encerrar, Santana dá uma dica de como o governo deve encarar as bets, de modo que sejam sadias para a sociedade, principalmente para os mais pobres e aqueles que sofrem com problemas de vício em apostas.

A regulamentação das apostas esportivas é um marco importante para o mercado brasileiro, mas é essencial que o governo invista em educação e conscientização sobre os riscos associados ao jogo, como o vício e problemas financeiros.

Além disso, é importante que as plataformas promovam o jogo responsável e ofereçam ferramentas para ajudar consumidores que possam enfrentar dificuldades. Sendo certo que ainda exista preocupação quanto aos efeitos sociais e econômicos dessa pratica, principalmente para famílias mais pobres.

Fernando de Jesus Santana, especialista em direito privado no escritório Wilton Gomes Advogados, em entrevista ao Olhar Digital