Como tomar decisões a partir dos novos problemas trazidos pela IA?
Pode parecer caótico, mas o cenário de adoção de inteligência artificial demanda que líderes educacionais estejam mais uma vez preparados para tomar decisões complexas, baseadas em problemas em diferentes níveis e cujas respostas ainda não são óbvias. A exemplo do que aconteceu durante a pandemia de Covid-19, a saída mais fácil é igualmente desafiadora: cooperação e inovação.
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No painel que abriu a AIED 2024 (sigla em inglês para Conferência Internacional sobre Inteligência Artificial na Educação), evento que chega à América Latina pela primeira vez e está sendo realizado no Recife (PE), com organização da CESAR School, a professora Blaženka Divjak, ex-ministra da Educação da Croácia, trouxe uma série de recomendações que podem ser aplicadas a sistemas de ensino ao redor do mundo, incluindo o Brasil.
Blaženka, que atualmente é titular de matemática e conselheira científica de ciência da informação na Universidade de Zagreb, na Croácia, destacou o quanto líderes envolvidos em processos de tomada de decisão na educação se viram diante de um sentimento de impotência, especialmente durante o auge da pandemia de Covid-19. Ela mencionou que esse sentimento de certa forma permanece vivo sempre que precisam lidar com sobrecarga de avaliações e altas expectativas ao projetar programas educacionais. Por isso, é importante demonstrar capacidade de gerenciar a inovação em paralelo ao caos para a resiliência do sistema educacional.
Na AIED 2024, Blaženka resgatou sua trajetória como vice-reitora na Universidade de Zagreb (2010 -2014) e ministra de Ciência e Educação da Croácia (2017-2020), quando foi responsável por liderar a reforma curricular da educação croata durante seu mandato entre 2017 e 2020.
Partindo de sua experiência, ela mostra que, de certa forma, a história se repete, desta vez com a chegada dos grandes modelos de linguagem que abastecem os sistemas de inteligência artificial. Neste sentido, ela destacou a importância de se explorar ciclos de decisão e de monitorar e avaliar decisões. “Gestores são sempre mais hábeis em elaborar grandes programas e nem tão bons quando o assunto é acompanhar o impacto de sua implementação”, disse.
Ao explicar a proposta, a professora apresentou um modelo de tomada de decisão com quatro domínios (simples, complicado, complexo e caótico), com sugestões de como a inteligência artificial pode apoiar cada um deles.
- Simples: A relação de causa e efeito é muito clara e se baseia em soluções baseadas em regras. Decisões são simples e diretas;
- Complicado: Existe uma relação de causa e efeito, mas não é imediatamente óbvia. Requer análise de especialistas para ser compreendido;
- Complexo: A relação de causa e efeito é visível, mas levemente perceptível. Tomar decisões é mais difícil neste cenário;
- Caótico: A relação de causa e efeito não é clara e decisões são extremamente difíceis de tomar.
Ao perguntar para o público da AIED 2024 qual categorização receberia a pandemia de Covid-19, a resposta foi rápida em relação ao cenário caótico. “A resposta educacional à pandemia, em nível de sistema, também foi caótica, especialmente nos primeiros meses. Foi um período extremamente desordenado, não apenas devido à tomada de decisões, mas também pela falta de precedentes semelhantes”, disse Blaženka. Naquele momento, recorda, foi importante confiar nos líderes e em sua dedicação. “A colaboração aberta foi visível em diversos níveis ao redor do mundo, incluindo os níveis político, organizacional e institucional, entre colegas”, pontuou.
Segundo Blaženka, por mais que dificuldades sejam comuns, é necessário perseverar para inovar e encontrar novas maneiras de avançar. “Em um estado caótico, não há uma relação clara entre causa e efeito, nem padrões. Mas, muito em breve, começamos a reconhecer alguns padrões e passamos para o domínio complexo. É muito importante não permanecer muito tempo no domínio caótico, pois a posição de liderança é decisiva. Mesmo que você tenha um líder muito capaz e carismático, é importante avançar rapidamente para um estado mais ordenado”, analisou.
Perspectivas da IA na educação
Atualmente, o desafio para tomadores de decisão gira em torno da adoção de inteligência artificial em seus projetos. “Ao mesmo tempo em que a IA pode ser vista como uma assistente poderosa, também pode ser um inimigo oculto para o ensino e a aprendizagem éticos e significativos. Temos esse fardo duplo. Mas não é a primeira vez na história que enfrentamos algo assim. Pense na energia nuclear. Tivemos a possibilidade de usá-la como uma arma devastadora e como uma fonte de energia. Então, acho que também podemos tentar encontrar paralelos e aprender com esses exemplos, e como as pessoas lidaram com isso”, afirmou a ex-ministra da Croácia.
As respostas à chegada da IA têm sido as mais diversas. “Na União Europeia (em oposição ao que acontece nos Estados Unidos), estamos no meio de trazer muitas regulações sobre IA. Alguns diriam que isso é bom, porque está em linha com os valores da União Europeia, como a privacidade e outros valores que gostaríamos de manter e proteger. Mas, ao mesmo tempo, na indústria, às vezes há críticas devido à supressão da inovação. Então, não é fácil”, disse.
Como no caso da pandemia, Blaženka reforça a ideia de tomadas de decisão apoiadas em diálogo e na confiança entre lideranças globais para que os riscos sejam mitigados. “Não é uma questão de se o Brasil, a União Europeia ou os EUA têm alguma regulamentação, mas de encontrar boas maneiras de trabalhar com a China, a Índia e os EUA em todo o mundo. Isso é muito semelhante ao que aconteceu com a energia nuclear e as discussões sobre a energia nuclear há 30 ou 40 anos.”
Para ela, é preciso reconhecer padrões e mover-se do caos para a complexidade, garantindo que as soluções encontradas em diferentes países sejam bem fundamentadas e eticamente justificadas. Nesse cenário, avalia Blaženka, as universidades desempenham um papel vital nas áreas de educação e pesquisa, pois a partir de um trabalho baseado em evidências, são capazes de demonstrar de forma crível como a IA pode ser integrada de maneira mais eficaz e transparente.
Ferramentas e competências
Blaženka também trouxe, em sua apresentação no AIED 2024, a experiência dos últimos três anos de desenvolvimento da ferramenta de planejamento de aula chamada Learn Design, utilizada por educadores de mais de 40 países, resultando em 25.000 atividades. Gratuita e baseada em sistema Moodle, a plataforma fornece dados de forma anônima para pesquisadores, que em seguida se debruçam sobre os resultados de aprendizagem.
“Um design de aprendizado sólido é um prerrequisito para uma pesquisa robusta. Se você coletar dados e fizer previsões sem um bom design de aprendizado, as recomendações podem não ser fundamentadas adequadamente. Além disso, podemos observar como os alunos usam a IA. Eles podem utilizá-la de maneira errada, sem que percebamos, ou de acordo com regras claras, mas sem relatar o uso ao professor. Podemos pedir aos alunos que usem a IA em atividades de aprendizagem baseada em problemas, oferecendo orientações específicas e exigindo uma reflexão crítica obrigatória sobre o processo”, descreveu.
E como começar a falar sobre IA num cenário de educadores com necessidades de desenvolvimento em habilidades digitais? Ao responder à questão levantada pelo Porvir, Blaženka ressaltou que a Croácia é um país pequeno, com cerca de 100 mil profissionais envolvidos na educação. A mudança começou em 2017, com investimento em formação online e equipamentos.
“Houve muitas críticas sobre isso, por uma pressão para que o sistema fosse digitalizado, enquanto outros países estão proibindo. Na França, por exemplo, eles proíbem todos os equipamentos nas escolas, e (na Croácia) estamos trazendo equipamentos. Não foi por causa do equipamento, e não foi por causa de um ponto de vista tecnocrático, mas porque precisamos compartilhar e colaborar. Precisamos de ferramentas. Foi muito difícil transmitir essa mensagem e conscientizar sobre isso”, disse, reconhecendo ainda que o momento de investir em educação é agora e isso passa obrigatoriamente por investir no professor. “Não podemos contar com a IA para substituir o professor. Este é o momento certo para investir no professor e nas habilidades de ensino e aprendizado. Isso deve ser prioridade.”