Crianças criam curta-metragem e vão ao cinema pela primeira vez

Crianças criam curta-metragem e vão ao cinema pela primeira vez
Publicado em 03/10/2024 às 8:53

Por que não transformar uma fábula infantil em um filme feito por e para as crianças? E se elas pudessem ser protagonistas de tudo, como atores, diretores, figurinistas? Quando pronta, que tal exibir a produção em uma sessão especial para essa turma, já que muitos nunca foram ao cinema? Trouxe essas respostas no projeto “Curtinha: produzindo cinema em sala de aula”, realizado com 14 crianças, de 4 a 6 anos, da fase 2 da EMEB (Escola Municipal de Educação Básica) Rosa Maria Ferrari Belgini, em Itatiba (SP).

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O principal objetivo é democratizar o acesso de meninos e meninas à sétima arte e à produção de uma obra audiovisual, de maneira conjunta às diversas habilidades e competências presentes na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). O projeto durou três meses e contou com sete etapas, que podem sofrer alterações, aprimoramentos e simplificações caso outro professor queira replicar a ideia em sua escola. Afinal, quem conduz a proposta são os pequenos. 

Tudo começou com a leitura de “A lebre e a tartaruga”, uma das Fábulas de Esopo (escritor e contador de histórias da Grécia Antiga). Usamos o livro adaptado por Roberto Belli. A história de uma lenta tartaruga que vence uma rápida e convencida lebre em uma corrida foi lida diversas vezes ao longo de uma semana, com o intuito de que as crianças se familiarizassem com as personagens e a narrativa, que traz uma mensagem importante sobre perseverança e respeito. 

Arte: Augustto Guimarães Cartazes do curta-metragem “A lebre e a tartaruga” criados pelo professor

Além da leitura, essa primeira fase contou com a produção de desenhos e brincadeiras. A adaptação da fábula apresentava, por exemplo, uma flor da amizade que os animais viam nos sonhos, para ensinar que não se deve guardar rancor, pois o importante não é quem vence, mas sim a amizade.

Em seguida, trabalhamos no roteiro baseado na narrativa. Considerando que os pequenos ainda não estão alfabetizados, para facilitar o trabalho de edição e pós-produção, a alternativa encontrada foi optar por um curta-metragem narrado: o áudio foi captado por celular em momento posterior às filmagens. Eles decoraram facilmente o livro. 

Três crianças venezuelanas que entraram na escola nos últimos tempos também fizeram parte do curta-metragem. Inclusive, o narrador é um aluno venezuelano que está no 5º ano e nos ajudou. Tentei inseri-los ao máximo no projeto, pois sei que passaram por uma jornada difícil até chegarem aqui, levando em consideração a necessidade de acolhida e de integração.

Com o roteiro pronto, o projeto entrou na terceira etapa, com a distribuição dos personagens. Conversei com a turma para designar um papel em que cada um se sentisse confortável para realizar e adaptei a história para contemplar as 14 crianças da sala. 

Partimos, então, para a produção das maquiagens, figurinos e cenários da própria escola. Utilizando preferencialmente materiais disponíveis, personalizamos os acessórios, com tiaras coloridas e maquiagem leve para representar os diferentes animais que representavam a grande torcida pela tartaruga.

Assista ao curta-metragem:

Câmera e ação!

Por ser a fase mais extensa do projeto, as filmagens precisaram ser inseridas nas rotinas das aulas. Para não deixar ninguém cansado, todos os dias, em um período curto, eu captava as imagens com minha câmera fotográfica e filmadora. As crianças me ajudaram captando o áudio com o celular. Nós trocamos muitas impressões durante o processo, pois eu sempre mostrava como tinha sido a captação e eles opinavam sobre a cena. 

Depois de finalizadas, toda a turma reviu cada uma das cenas, aprendendo que um curta-metragem é um compilado de pequenas cenas gravadas separadamente, e que o modo como a cena é filmada, sua fotografia, ângulos e as interpretações contam para passar veracidade aos espectadores.

Com o fim das gravações, eu cuidei da edição e pós-produção do curta-metragem. Usei o programa de computador Adobe Premiere Pro, e por lá inseri elementos visuais e sonoros pensados nas imagens e áudios captados, a fim de potencializar as ideias que as crianças gostariam de transmitir no filme. Além da trilha sonora, usei alguns efeitos visuais (como fundos em cenas gravadas na escola, utilizando tela verde, conhecida como “chroma key”).

Trabalho bastante a diferenciação de sons na educação infantil. Nós conversamos sobre os diferentes sons que apareceriam no curta-metragem (vento, barulho de câmera, apito…). Eles também pediram para deixar as cenas do sonho “diferentes”: por isso, usei um filtro que muda a cor, com efeitos de desaparecimento.

Sessão de cinema

Fiz cartazes inspirados nas divulgações de grandes filmes, com destaque para as fotos de todas as crianças protagonistas de “A lebre e a tartaruga”. Pessoalmente, elas convidaram os funcionários da escola e as outras turmas das fases 1 e 2, para a primeira exibição, que aconteceu na biblioteca, seguida de bate-papo. Outras sessões aconteceram nas salas do ensino fundamental 1 e 2.

A última etapa foi ainda mais especial: em parceria com o Cinema Multiplex Itatiba Mall, 45 crianças (fase 1, fase 2 e 2º ano do ensino fundamental) contemplaram o curta-metragem na grande tela. Com direito a pipocas, bebidas, foi a primeira vez que muitos alunos viram seus amigos ou a si mesmos neste ambiente. 

Resultados alcançados

Apenas 4 das 14 crianças da fase 2 da turma tinham ido ao cinema alguma vez antes desse trabalho. Desenvolver e produzir um produto audiovisual com elas fez com que a temática fosse apresentada de forma acessível, mostrando novas possibilidades aos pequenos em relação à formas de expressão, ferramentas tecnológicas e desenvolvimento dos conteúdos em sala.

Organizar e executar este projeto trouxe diversos aprendizados para mim e para as crianças. É uma nova ótica acerca do aprendizado na educação infantil. E este é meu primeiro filme.

Sempre gostei de cinema, desde adolescente, e era uma das minhas opções para a faculdade quando me formei no ensino médio. Ao me tornar professor, sempre procurei maneiras de incluir o audiovisual nas minhas aulas, e fui esquematizando o projeto até conseguir executá-lo esse ano. Acho que o cinema é uma forma de expressão completa, pois contempla aspectos visuais e sonoros, abrindo possibilidades infinitas para exploração da criatividade das crianças.

Eu me vi em uma nova realidade no que se diz respeito ao modo como a turminha lidou com propostas desse tipo, e observei a alegria, a empolgação e a vontade de participar, desde a primeira leitura da obra até a exibição no cinema. As crianças aprenderam que é possível realizar um filme utilizando os recursos disponíveis, e que o cinema também é uma forma de se expressar. 

Conexão com a BNCC
Para além dos códigos presentes na BNCC, espera-se que os estudantes participem ativamente de cada processo. Abaixo, seguem as descrições das habilidades e competências de acordo com o documento nacional. 

Habilidades durante a leitura e roteiro: 

– EI03TSCM06: Manipular diferentes objetos e materiais convencionais e não convencionais, e explorar suas características e propriedades, favorecendo a produção artística
– EI03TSCM07: Expressar-se por meio de desenho, pintura, colagem, dobradura e escultura, criando produções bidimensionais e tridimensionais
– EI03TSCM09: Produzir artisticamente a partir de seu próprio repertório utilizando-se dos elementos da linguagem das artes visuais.

Habilidades durante o período da filmagem:

– EI03CGCM03: Imitar e criar movimentos com música ou outros estímulos
– EI03CGCM06: Dramatizar histórias conhecidas ou criadas pelo grupo 
– EI03EOCM07: Reconhecer e ampliar possibilidades expressivas por meio do seu corpo e de alguns elementos da dança, desenvolvendo atitudes de confiança, superando seus limites 

Competências durante apreciação do curta finalizado:

– EI03TSCM08: Observar, reconhecer e ampliar seus conhecimentos sobre os diferentes tipos de arte 
– EI03TSCM13: Apreciar, comentar e analisar apresentações de teatro, música, dança, circo, cinema e outras manifestações artísticas de sua comunidade e de outras culturas, expressando sua opinião verbalmente ou de outra forma.


Augustto de Paula Guimarães

Pedagogo e pós-graduado em gestão escolar. Atualmente, leciona para crianças da educação infantil na rede municipal de ensino de Itatiba (SP), mas já trabalhou como docente no ensino fundamental I e II, e EJA (Educação de Jovens e Adultos). Baseia sua identidade profissional de professor na construção da aproximação e afetividade com os alunos, gerando vínculos duradouros e transformadores.