Estudantes atuam como protagonistas na melhoria da escola
A Escola Municipal Almirante Tamandaré, onde leciono, está situada em Barra de Jangada, bairro periférico de Jaboatão dos Guararapes (PE). A escola enfrenta muitos desafios, tanto na estrutura quanto na parte social. Alguns dos principais são: falta de saneamento básico, acúmulo de lixo nas ruas, enchentes e doenças como a leptospirose. Essas questões extrapolam o ambiente externo e também afetam a estrutura interna da escola, que tem biblioteca inutilizável por mofo, além de mesas e cadeiras danificadas.
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Percebi que os estudantes consideravam normal conviver em um ambiente degradado, jogando lixo no chão da escola e da sala de aula. A comunidade e a gestão escolar demonstravam uma postura de conformismo, sem buscar soluções para esses problemas. Diante disso, desenvolvi o projeto “Grêmio Estudantil – Cidadania em Ação”, com o objetivo de despertar a consciência cidadã nos estudantes, estimulando-os a buscar melhorias para a escola e, em um segundo momento, para a comunidade. Como o próprio nome diz, o projeto busca fortalecer o protagonismo juvenil e o entendimento de direitos e deveres como cidadãos.
A palavra “protagonista” tem sua origem no teatro, onde é utilizada para designar o ator principal. No campo da sociologia e da política, o termo passou a ser empregado para identificar aqueles que desempenham papéis importantes em reuniões e espaços sociais. Incorporar esse protagonismo na resolução de problemas dentro da escola é uma forma de estimular o desenvolvimento da cidadania e do senso crítico nas crianças, preparando-as para atuar na sociedade em busca do bem comum.
A turma do 5º ano
Minha turma é formada por estudantes do 5º ano do ensino fundamental, com idades entre 10 e 12 anos, além de um aluno de 15 anos, que está nessa turma em razão de retenção e evasão escolar em anos anteriores. Percebi que eles demonstram grande interesse em compreender o conceito de cidadania e em como podem atuar para promover melhorias na escola.
Neste ano letivo de 2024, enfrentamos situações muito preocupantes em relação à escola. Na nossa sala de aula, o forro de PVC estava caindo, colocando em risco a integridade física das crianças. Muitas vezes, choveu dentro das salas, e as mesas estão se desfazendo, pois ficaram estufadas devido a inundações anteriores. Além disso, quando chove forte, a escola é inundada, e a água do esgoto retorna, trazendo sujeira, baratas e mau cheiro para dentro do pátio.
As crianças se queixaram e demonstraram indignação diante dessas condições. No entanto, segundo relatos de estudantes e funcionários, esses problemas já ocorrem há muitos anos, sem que nenhuma providência tenha sido tomada para solucioná-los. Conversei com minha turma, e eles demonstraram grande interesse em contribuir para buscar melhorias na escola. Expliquei que seria necessário agir de forma organizada, e então eles sugeriram a ideia de eleger representantes de turma para nos ajudar nessa organização, baseando-se em experiências anteriores, quando já tiveram representantes.
O protagonismo juvenil está diretamente relacionado à capacidade de perceber e analisar o ambiente ao redor, identificar situações que o cercam e avaliar as condições de vida e estudo.
Esse processo envolve refletir sobre esses elementos, pensar em formas de melhorá-los e colocar essas ideias em prática.
Como colocar essa prática em ação? Como atuar, cobrar e se posicionar de forma eficaz? E, após todo o processo, como avaliar se as ações realizadas atenderam às necessidades identificadas ou se será necessário adotar novas abordagens? Esses processos devem sempre considerar a coletividade e o bem comum. A partir dessa reflexão, aprofundei-me na temática da cidadania, buscando compreender como exercer nossos deveres e exigir que nossos direitos sejam respeitados.
O papel do grêmio escolar
Realizamos uma roda de conversa sobre o grêmio estudantil, abordando os seguintes questionamentos:
- O que é?
- Como funciona?
- Quem pode participar?
- Como organizar uma campanha?
Durante a roda de conversa, as crianças compartilharam suas ideias e relembraram experiências anteriores com representantes de sala. Levei a proposta de criação do grêmio estudantil para a supervisora da escola, mas ela não demonstrou interesse em envolver as demais turmas nesse movimento. Diante disso, decidimos implementar essa representação apenas em nossa turma, como um projeto inicial. Para embasamento teórico, recorremos à explicação de Silva e Santos (2021):
“O grêmio estudantil é um canal de participação da gestão democrática que possibilita aos estudantes um envolvimento na escola no intuito de contribuir para o andamento da instituição educativa que, por sua vez, garante a autonomia, a representatividade e a atuação ativa e interventora nos direcionamentos da escola, tornando-se um instrumento relevante para o exercício da cidadania, da democracia, da participação e do protagonismo dos estudantes na dimensão política do ‘chão’ da escola, possibilitando a discussão, a deliberação, a tomada de decisões e a possibilidade de intervir na sociedade” (Silva e Santos, 2021, p. 131).
Dando continuidade à nossa roda de conversa, expliquei aos estudantes que por meio do grêmio, podemos definir regras de boa convivência, fiscalizar se as regras serão cumpridas e solicitar melhorias para a escola. Além disso, todos e todas tinham o direito de participar, pois fazemos parte de um ambiente social democrático.
A definição dos representantes
Conversamos sobre o papel dos representantes eleitos, destacando que eles seriam responsáveis por levar as demandas da turma e da escola ao superior responsável, buscando possíveis soluções. Em relação aos atributos desejáveis para os candidatos, concluímos que os representantes deveriam, preferencialmente, possuir as seguintes características:
- Seguir os combinados da turma e da escola;
- Ter facilidade de comunicação e expressão;
- Ser participativo;
- Frequentar as aulas regularmente;
- Demonstrar responsabilidade;
- Respeitar e saber ouvir a opinião dos outros;
- Estimular a participação dos colegas.
Após esses esclarecimentos, definimos as chapas que iriam concorrer, compostas por duas crianças cada, e o prazo para a realização da eleição, que foi estipulado para duas semanas depois. Decidimos que esse período seria utilizado pelas chapas para organizar e apresentar suas campanhas eleitorais. Reservei um horário no início da aula para que os candidatos apresentassem suas propostas.
Durante as campanhas, a maioria das crianças mencionou os problemas já citados anteriormente e comprometeu-se a buscar soluções. Duas duplas, no entanto, se destacaram com abordagens diferentes: uma delas abriu espaço de fala para que os(as) colegas pudessem expressar suas opiniões sobre o que gostariam que fosse melhorado na escola e na turma. A outra apresentou um cartaz explicativo, detalhando o processo eleitoral e ressaltando sua importância para a definição dos representantes de turma.
O dia de votação
Na segunda etapa, realizamos o processo eleitoral. Em razão da falta de papel sulfite e tinta para impressora na escola, não foi possível imprimir as cédulas de votação. Como alternativa, utilizamos quadrados de papéis pequenos, nos quais os eleitores escreveram o número das duas chapas nas quais desejavam votar. Os votos foram colocados em uma urna improvisada.
Logo após o término da votação, realizamos a apuração Criamos uma tabela na lousa com duas colunas: uma para o nome dos candidatos e outra para registrar os votos. Conforme os votos foram sendo abertos, anotamos os resultados na tabela. A chapa mais votada foi eleita como representante, enquanto a segunda chapa mais votada foi definida como suplente.
Aproveitamos a aula de matemática para transformar a tabela de apuração de votos em um gráfico de barras. Durante a construção do gráfico, as crianças orientaram a professora sobre como ele deveria ser montado, e as instruções foram sendo realizadas na lousa. Em alguns momentos, foi necessária a intervenção da professora para relembrar a turma sobre a estrutura e os elementos de um gráfico de barras. Com a participação de todos, o gráfico foi finalizado com sucesso ao final da aula.
A cerimônia de posse
Nesta etapa, realizamos uma pequena cerimônia de posse das chapas eleitas: uma dupla de representantes e uma dupla de suplentes. Agendamos para a semana subsequente a primeira Assembleia, em caráter emergencial, devido às necessidades da escola. O objetivo dessa Assembleia foi levantar e definir as prioridades identificadas pelas crianças para o desenvolvimento de nosso trabalho. Usamos o sistema “Eu elogio/Eu critico/Eu sugiro” como metodologia para a reunião.
No primeiro momento, as crianças destacaram elementos que gostam na escola:
- As professoras são gentis;
- A educação física é divertida;
- Os funcionários são legais;
- Algumas comidas da merenda são boas;
- As tarefas são fáceis;
- Gostam das brincadeiras realizadas no final das aulas;
- A aula começar cedo;
- A rotina da escola;
- A leitura no início da aula;
- Poder ler livros ao terminar as tarefas;
- As aulas são muito boas.
Em seguida, passaram para a etapa “Eu critico”, apontando problemas:
- A fechadura da porta da sala de aula não funciona;
- O ar-condicionado não refrigera bem e os ventiladores são fracos;
- Mesas desgastadas;
- Fios expostos nos ventiladores;
- A biblioteca está inutilizável por causa do mofo;
- O teto da sala (forro de PVC) está caindo;
- Piso da sala desgastado;
- Tempero de algumas comidas da merenda é insosso;
- Alagamentos trazem baratas, que sobem nas paredes.
Por fim, na etapa “Eu sugiro”, as crianças propuseram as seguintes ações:
- Falar com a diretora para resolver os problemas do ar-condicionado, fechadura, ventiladores, fios expostos, biblioteca e teto da sala;
- Solicitar mesas novas;
- Conversar com a nutricionista sobre a merenda.
Após o levantamento, os representantes agendaram uma reunião com a equipe gestora para apresentar as demandas das crianças e discutir possíveis soluções. A reunião foi marcada para o dia 3 de abril, mas não pôde ser realizada porque a diretora informou que precisava resolver questões urgentes no banco relacionadas à prestação de contas da utilização das verbas escolares. O encontro foi reagendado para 9 de abril.
A reunião
A reunião com a gestora da escola foi realizada no dia marcado. Os representantes se apresentaram e realizaram a leitura do documento “Eu elogio/Eu critico/Eu sugiro”, elaborado durante a assembleia.
A gestora explicou como funciona o processo de manutenção da escola, destacando que as solicitações são encaminhadas à secretaria de educação, pois a escola não recebe verba diretamente para a realização dos serviços. Também mencionou que, apesar dos problemas atuais, algumas condições já melhoraram ao longo dos anos, ressaltando que, no passado, a escola enfrentava dificuldades ainda maiores.
Em resumo, houve uma boa interação entre a gestora e as crianças, que aproveitaram o momento para discutir algumas questões e esclarecer dúvidas. Durante a reunião, o aluno B. perguntou se a turma poderia escrever uma carta ao prefeito da cidade, solicitando as melhorias necessárias. A gestora apoiou a proposta, demonstrando abertura e comprometendo-se a acompanhar a elaboração da carta e encaminhá-la à prefeitura.
As novas necessidades
Antes de iniciarmos a escrita da carta, eu, juntamente com os representantes da turma, visitei o prédio anexo à escola, onde são atendidas crianças da educação infantil e do primeiro ano do ensino fundamental. Os representantes conversaram com funcionários e professores para verificar as necessidades desse prédio. Algumas demandas eram semelhantes às do prédio principal, como o calor, a falta de climatização e a estrutura precária. No entanto, os representantes identificaram outras necessidades específicas, como:
- Limpeza da caixa d’água;
- Desratização e desinsetização, devido à infestação de ratos, escorpiões e outros insetos nocivos;
- Parque com brinquedos quebrados ou inutilizáveis por falta de instalação adequada;
- Falta de auxiliares de sala para acompanhar as crianças ao banheiro;
- Prédio inadequado para a faixa etária atendida (escadas com degraus muito altos e de espessura pequena; banheiros com vasos sanitários inadequados para crianças pequenas).
- Os representantes também visitaram todos os espaços do prédio principal, conversando com funcionários e professores para compreender as necessidades desse espaço.
A carta
Nas aulas subsequentes, começamos a elaboração da carta. Primeiramente, escrevemos o primeiro parágrafo de forma coletiva, na lousa, com as crianças compartilhando suas ideias enquanto eu atuava como escriba. Após essa etapa, fizemos a revisão coletiva, ajustando o texto conforme necessário. Em outra aula, a turma foi dividida em grupos, e cada grupo ficou responsável por desenvolver um parágrafo sobre um tema específico levantado durante as visitas.
Depois de concluídos e revisados todos os parágrafos, digitei os textos em um único documento para compor a carta. Em seguida, realizamos a leitura da versão final, que foi aprovada pelas crianças.
A Impressão e o abaixo-assinado
Encaminhei a carta à gestora da escola para impressão. Após realizar as impressões, ela sugeriu algumas alterações no texto, que ajustamos e reenviamos para nova impressão. No entanto, enfrentamos uma espera prolongada de quase duas semanas para a impressão final. Nesse período, vivenciamos duas situações de inundação na escola: em uma delas, a água invadiu a sala de aula, alcançando a altura da canela; na outra, as aulas foram suspensas devido ao alagamento.
Inconformado com a situação, um funcionário da escola se ofereceu para imprimir a carta e organizar sua assinatura pela comunidade. Conversei com a turma, que concordou com a ideia, e iniciamos a coleta de assinaturas, finalizando essa etapa em 6 de maio. A carta foi, então, encaminhada à equipe gestora, mas não tivemos confirmação de que ela foi entregue à Prefeitura.
Os resultados
A mobilização das crianças de nossa turma trouxe mudanças significativas na postura da comunidade diante dos problemas enfrentados. No dia 2 de maio, os responsáveis organizaram um protesto pacífico, não permitindo que houvesse aula na escola naquele dia. Durante o protesto, bloquearam a estrada, com a participação de algumas crianças, e exigiram a presença de representantes da Prefeitura ou da Secretaria da Educação para discutir a situação da escola.
A manifestação durou toda a manhã e foi encerrada apenas com a chegada de uma representante da Secretaria da Educação, que se comprometeu a iniciar as obras de reforma da escola no prazo de dois meses. Além disso, uma mãe registrou vídeos do prédio principal inundado e do anexo com infestação de ratos, enviando o material para um canal de denúncias da cidade.
Apesar de não termos recebido retorno sobre a carta, a escola passou por uma pequena reforma nos meses de junho e julho. Ao retornarmos às aulas, verificamos que algumas melhorias foram realizadas, embora ainda restem questões a serem resolvidas.
A reforma da escola foi realizada, mas ainda há muito a ser feito. Seguimos adotando uma postura ativa de fiscalização e cobrança por meio do nosso grêmio estudantil. Este é um projeto que pretendo continuar desenvolvendo nos próximos anos.
Naiara Siqueira Campos
Pedagoga e Arte Educadora Pós Graduada em Ludopedagogia, Arte na Educação, Gestão Escolar, BNCC, Inclusão e Diversidade, História e Cultura Afro Brasileira. Atualmente é professora regente em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental.