Ex-morador de rua vê a vida mudar através da olericultura
Deus Proverá. Este é o nome da pequena propriedade do “seo” Orlando de Souza Carvalho, em Várzea Grande (MT). Ex-morador de rua, ele viu sua vida mudar após a ida para o local e passou a investir na produção de legumes. Hoje, com a ajuda da Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do Senar Mato Grosso, além de ampliar a sua produção, o produtor consegue inclusive gerar empregos.
Uma história emocionante e de transformação de vida trazida no Senar Transforma desta segunda-feira (23), da qual o “seo” Orlando hoje bate no peito com muito orgulho para dizer que é produtor rural investindo na olericultura em Mato Grosso.
A propriedade possui pouco mais de nove hectares e o nome escolhido é uma frase muito especial para o produtor.
“Para quem não tinha nada, Deus tem que prover. Ele proveu e vai prover mais. Porque tudo o que eu tenho, devo à Deus”, diz.
A gratidão não é da boca para fora. A rotina no campo é algo novo na vida do “seo” Orlando, que por muitos anos morou nas ruas, sem esperança quanto ao futuro.
“Eu consumia bebida alcoólica. Corote, garrafa de pinga e aí parti para o álcool de posto”.
A virada de chave na sua vida veio quando um desconhecido deu R$ 1 para ele. Com aquele valor em mãos, foi comprar um copo de pinga.
“Eu fui tomar essa pinga e o caboclo falou ‘Você está fedendo. Toma essa pinga lá fora’. Para mim foi a maior vergonha que eu já passei na minha vida. E na hora me veio o pensamento em Deus”.
Após afastar aquele copo de pinga, Orlando foi para Rondonópolis. Lá ficou um ano na fazendo de um amigo. “Os primeiros dias de abstinência não são fáceis, mas com fé em Deus, implorando à Deus para me tirar…”.
Quando venceu a batalha contra o alcoolismo, foi a hora de recomeçar enfrentando os obstáculos decorrentes do passado. Após essa conquista, a sua mãe faleceu e a propriedade, que já era da família, ficou abandonada e o intuito das irmãs, conforme ele, era vender.
“Como eu não tinha para onde ir, eu vim para cá. Tinha R$ 300 no bolso, umas galinhas e uma bezerra e muita fé em Deus. Consegui gradear um pedacinho e comecei a plantar maxixe e abobrinha. Só que eu comecei a produzir, mas não tinha para quem vender”.
A primeira venda ocorreu para feirantes do Ceasa. Dali em diante o produtor seguiu produzindo, até que conseguiu fazer um barraco de lona para morar.
Apoios que ajudar a mudar a trajetória
As lágrimas que escorrem pelo rosto do produtor ao contar a sua história para o Senar Transforma, trazem à memória os momentos difíceis, mas também relembram a garra, a perseverança e o apoio que recebeu de quem se quer ele conhecia.
Entre aqueles que surgiram para o ajudar estava a Empaer o convidando para fornecer a produção de mandioca para a Prefeitura, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Porém, o produtor em “descrença”, como diz, diante das dificuldades, recusou e tentou vender para supermercado, mas sem sucesso.
“Passei o trator em cima de tudo. Fiz pasto e comecei a mexer com leite. Mas, mesmo assim tinha custo. Aí continuei a produzir um pouquinho. Aí o Marcus apareceu e começou a incentivar”.
Marcus Vinicius Bervanger é técnico da ATeG do Senar Mato Grosso. Além do “seo” Orlando, ele atende outros 20 pequenos produtores de olericultura na região. Uma vez por mês, durante três anos, ele visita cada uma das propriedades levando conhecimento para ajudar a transformar realidades.
“A realidade do ‘seo’ Orlando era a de um produtor rudimentar. Uma produção basicamente para consumo próprio. Tinha uma dificuldade com comercialização, porque não sabia o ponto de colheita”.
Da produção rudimentar para a diversificação
Quando o técnico da ATeG do Senar Mato Grosso chegou na Chácara Deus Proverá, eram plantados cerca de mil metros quadrados e uma produção que não possuía volume para comercialização. Hoje, são dois hectares com diversos cultivos, como abobrinha, quiabo, maxixe, jiló, mandioca e pimenta de cheiro.
Um dos primeiros trabalhos a serem feitos foi o estudo de mercado para ver qual a necessidade de consumo. Depois foram usadas técnicas básicas de manejo para auxiliar na produtividade, como análise de solo, calagem, adubação adequada, adubação de cobertura, controle de pragas e doenças.
Na questão de mercado, uma das orientações foi quanto a sazonalidade de alguns produtos, como a abobrinha, que em períodos mais frios tem a sua produção no sul do país reduzida e com isso os locais “mais quentes” passam a comercializar para “os mais frios”, com preço agregado.
“Uma caixa de abobrinha no inverno custa em torno de R$ 100. E, normalmente, é cerca de R$ 30, R$ 40. Outro ponto foi a venda para o PNAE da Prefeitura. Ele se adequou com a documentação e veio a necessidade da produção”.
O contrato com a Prefeitura é em torno de R$ 40 mil e conforme o técnico da ATeG do Senar Mato Grosso “essa venda para o PNAE é muito importante para o pequeno produtor, porque nela é pago o valor de mercado”.
“O preço da abobrinha que eu falei de R$ 40 a R$ 100 é o valor para quem vai vender para atravessador. No caso do PNAE é pago R$ 5,65 o quilo, que numa caixa daria R$ 110. Um preço padrão do começo até o final do ano. Isso acaba garantindo uma receita, uma previsibilidade de retorno e dá uma segurança para o produtor estar investindo e trabalhando na área”.
Passados 20 meses do início do trabalho da ATeG na chácara, o cenário mudou. O solo foi corrigido e a demanda está garantida.
Entre as mudanças também feitas por lá estão as estruturais, como o aumento da disponibilidade de água, que foi ampliada e hoje a irrigação é mais um trunfo nas mãos do agricultor.
Além do que hoje é produzido no local, a produção de outros cultivos está no radar.
“A variação de preço nos obriga a diversificar. Hoje em dia não pode ficar na monocultura. Então, eu quero diversificar. Fazer um pouquinho de cada. O meu intuito é fazer lavouras pequenas e de culturas diferentes”, frisa Orlando.
Hoje em um único talhão estão plantados, em forma de integração, abobrinha, quiabo e mandioca. Estratégia, que de acordo com o técnico da ATeG do Senar Mato Grosso, tem como objetivo diluir os custos, potencializar os resultados, além de evitar que o produtor fique refém de uma única cultura.
E na hora da colheita a prova do sucesso. Rapidamente a sacola vai ficando cheia com a produção do dia e o esforço e dedicação do “seo” Orlando vai ganhando a admiração de todos, em especial do Aureliano Pereira da Silva, que além de vizinho, três vezes por semana passa horas em meio a plantação trabalhando na colheita.
Controle de gastos e mais resultados
Outra coisa que mudou na chácara foram os controles dos números, que antes não se sabia o que entrava e o que saia, o quanto produzia e o quanto vendia. “Isso é importante, porque ele precisa ter um controle da atividade econômica dele”, salienta o técnico da ATeG do Senar Transforma.
No ano passado, quando começou a gerenciar melhor o negócio, o agricultor gastou duas vezes e meia a mais do que faturou com a atividade. Este ano, mesmo com investimentos robustos, fazendo as despesas gerais triplicarem, o retorno foi surpreendente: 85% acima dos custos.
“Hoje, a minha mentalidade é outra. Antigamente eu não pensava nisso. Ver se vai dar lucro, se não vai dar. Eu queria plantar. E, hoje não”, pontua Orlando orgulhoso.
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