Mudanças climáticas são assunto em Belém antes e depois da COP30
Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jorge Lopes Raposo Belém (PA) Alunos: 1208 Funcionários: 76 Etapas atendidas: Ensino médio. Deixou de atender o fundamental em 2022. |
Uma escola resiliente baseia-se em três pilares principais: aspectos socioemocionais, curriculares e de infraestrutura, todos voltados para enfrentar as mudanças climáticas e a crise ambiental. Embora nem todas as instituições consigam abordar essas dimensões ao mesmo tempo, investir em pelo menos uma delas já é um avanço significativo nesse contexto.
Nesta série de reportagens, o Porvir buscou identificar escolas que seguem essa abordagem e encontrou exemplos inspiradores. Algumas delas, mesmo sem adotar o conceito em sua totalidade, têm se destacado ao investir em um dos pilares com maior profundidade. Em Belém, capital do Pará, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jorge Lopes Raposo se destaca por desenvolver uma ação estruturada no currículo, alinhada à política de educação ambiental promovida pelo governo estadual.
O clima em Belém no ano que antecede a COP30 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas) é seco. Em julho, a cidade ficou 19 dias ininterruptos sem chuva. Para o mês, o volume ficou 80% abaixo do esperado. A temperatura máxima quase sempre marcou 34ºC. Esse cenário climático atípico é um dos efeitos do aumento da temperatura do planeta, tema que estará em discussão no evento, quando a cidade deve receber 40 mil pessoas – 7 mil delas pertencentes à ONU e a delegações de países membros, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas.
Ao andar por suas ruas, é possível observar que ela se prepara para essa recepção, ampliando áreas de interesse turístico, oferta de transportes e hospedagem. Em Icoaraci, um dos oito distritos de Belém, o governo pretende construir um Terminal Hidroviário Turístico e, para isso, desembolsou R$ 7,9 milhões. Ali haverá restaurantes, decks e lojas.
É lá que fica a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jorge Lopes Raposo, na qual a professora de geografia Ione Câmara, muito antes de a cidade se candidatar para ser sede da COP, relaciona as mudanças climáticas e o território onde os estudantes vivem em suas aulas.
Engajada na causa ambiental e climática, ela lidera o projeto “Espia Amazônia”, desenvolvido com e por 50 estudantes das três séries do ensino médio da escola. Organizado como um projeto de contraturno, o “Espia”, como é apelidado pelos estudantes, é um espaço para discussão de temas ligados às mudanças climáticas e sustentabilidade, que envolve debates e produção de vídeos que ficam disponíveis em um perfil do projeto no Instagram. Todos os alunos da escola são convidados a participar.
O projeto, que hoje ganhou grandes proporções e que recebe inúmeros convites – inclusive da secretaria de educação do Pará – para participação em feiras e simpósios, começou em 2023 com uma ideia de Leandro Silva, que à época estava no 1º ano e representou a escola em uma atividade na semana do meio ambiente promovida pela Seduc. “Quando ele voltou, eu pedi que ele fosse compartilhar com as demais turmas um pouco da experiência. E então ele me perguntou: a gente não pode fazer alguma coisa? Eu disse: ‘sim, podemos, mas eu preciso da ajuda de vocês’”, relata Ione.
Essa tônica estabelecida naquele momento se tornou o fio condutor do projeto, em uma ação de colaboração entre a docente e os estudantes. “Eu escrevi o projeto, para colocar tudo em ordem, mas não tínhamos um nome. Falei para eles ‘tem que ser algo para que olhem para a gente’”, conta Ione.
A proposta era fazer uma dupla chamada de atenção: uma que fizesse as pessoas que são de fora conhecerem a Amazônia paraense; outra para os próprios estudantes que em grande parte não se consideravam – ou não se consideram – amazônidas. Há “um trabalho de base” que precisa ser feito, ela aponta. Belém é uma cidade com carros, shoppings, BRTs e muito calor. Para a docente, muitos que ali vivem – estudantes ou não – veem tanto asfalto que acham que a Amazônia fica em outro lugar, completamente distante deles.
Por outro lado, ela critica o olhar estrangeiro, que vê na Amazônia somente vegetação. Todos esses pontos de vista aparecem nas conversas feitas no “Espia” e nas aulas de geografia. “Eu trabalhei uma música chamada ‘Belém, Pará, Brasil’, de uma banda de rock dos anos 1990, mas que até hoje faz sentido”. Ela faz questão de cantar um trechinho: “Quem quiser venha ver / Mas só um de cada vez / Não queremos nossos jacarés / Tropeçando em vocês”.
Política pública
A professora Ione foi uma pioneira na implementação da educação ambiental na escola Jorge Lopes Raposo, que atende 1.208 alunos, divididos em 15 turmas pela manhã, 15 à tarde e alguns alunos da Educação de Jovens e Adultos, à noite. Atualmente, todos eles frequentam a aula de educação ambiental, implementada por conta de uma nova política pública, anunciada pelo governo do Pará e a Secretaria de Educação do Estado, em junho de 2023, como aponta notícia dada pela agência de comunicação governamental.
O plano ambicioso, impulsionado pelo evento que Belém irá sediar, tornou a educação ambiental um item obrigatório no currículo de todas as escolas, em todas as etapas de ensino. O projeto de lei também promete recursos financeiros, feitos via programa Dinheiro na Escola Paraense, para ações específicas sobre clima e meio ambiente.
Entre as ações previstas, há um recorte específico para as juventudes com a criação da Rede Global de Jovens pela Amazônia. Como uma espécie de aquecimento para a COP30, Seduc e governo farão a 1ª Conferência Internacional Infantojuvenil sobre educação e mudança do clima – “Reflorestando Mentes”, em março de 2025, e que contará com a presença de estudantes do Brasil e de outros países. Algo como uma simulação para o evento da ONU.
No chão da escola, a implementação de uma nova disciplina de educação ambiental junto com outras mudanças ocasionadas pelo novo ensino médio chegou como um novo desafio para muitos professores, que nem sempre se sentem preparados para dar aulas sobre o tema.
Segundo alguns docentes entrevistados na Jorge Lopes Raposo, a sensação é de que estão “em falta com os alunos”, já que não dominam o assunto.
“Nós tivemos problemas com a carga horária e acabou que entramos de gaiato, na verdade. O assunto tem a ver com a minha disciplina, que é química, e eu posso falar sobre o efeito estufa, a camada de ozônio… Mas não tivemos uma preparação, eu queria ter me preparado melhor e ter tido algumas formações para que quando estivesse com o aluno, pudesse trabalhar com exatidão o que está proposto”, disse Rose Batista, professora de química para as turmas de 3º ano na Jorge Lopes Raposo e uma das responsáveis pela disciplina de educação ambiental na escola.
Os problemas relacionados à carga horária citados pela professora são provenientes das mudanças no ensino médio. Com a nova organização dessa etapa de ensino, muitos professores tiveram o número de aulas reduzido e, com isso, precisaram assumir outras disciplinas para compor a carga horária. Esse foi o caso das três professoras responsáveis pelo componente de educação ambiental entrevistadas pelo Porvir.
Uma maneira que elas encontraram para contornar a situação foi associar os temas ambientais e de clima à própria área de atuação.
“No meu caso a minha ênfase vai ser sempre nas questões sociais e de que forma esses acontecimentos ou a falta de cuidado com o meio ambiente vai interferir na vida do homem em sociedade”, diz Sandra Lopes, professora de sociologia e educação ambiental nas turmas de 2º e 3º ano na Jorge Lopes Raposo.
Os esforços da secretaria de educação para apoiar a educação ambiental incluem a preparação de livretos, que são distribuídos para as escolas de toda a rede e existem tanto na versão para o professor, quanto em forma de apostila para os estudantes. “A gente está usando [esse material] e é até interessante, mas muito minimalista. Pegamos os temas que eles sugerem e lá tem alguns QR codes que nos direcionam para vídeos ou coisa do tipo, mas fica nisso…”, diz Sandra.
Vera Lobo, integrante da coordenação de educação ambiental da Seduc, destaca que os cadernos são distribuídos para as escolas estaduais de todos os 144 municípios do Pará. “É um caderno que não tem só o papel de orientar, mas de incentivar a pesquisa. É um material bem colorido, acessível e didático”, diz.
Entre os desafios de pensar nesses materiais para professores e alunos, Vera elenca a missão de aproximar os conhecimentos sobre a Amazônia paraense dos alunos. “Não podemos esquecer que não só somos parte como também somos o meio ambiente, eu não posso me desvincular do meio ambiente, porque senão estou indo contra a natureza”, afirma.
Há também, do ponto de vista de Vera, uma dificuldade logística de entrega desses materiais. O Pará é o segundo maior estado do Brasil, com 1.245.870,704km² em extensão territorial. Na escola Jorge Lopes Raposo, essa dificuldade foi sentida. Mesmo sendo localizada a 30 minutos do centro de Belém em uma viagem de carro, houve atraso na entrega do material, segundo as professoras ouvidas pelo Porvir.
Formação de professores
Além do material de apoio, a secretaria de educação também disponibilizou um curso de aprimoramento sobre esta temática. Intitulado de ”Educação Ambiental: práticas para sustentabilidade na Amazônia paraense”, a formação era dedicada a professores, coordenadores pedagógicos e gestores escolares da rede estadual e funcionava de maneira híbrida, com aulas disponíveis na plataforma Avacefor, um ambiente virtual de aprendizagem organizado pelo Centro de Formação de Profissionais de Educação Básica do Pará (Cefor) da própria secretaria. A formação tem parceria com o Instituto iungo.
Além dessas aulas virtuais e encontros presenciais, Ione contou à reportagem que a Seduc preparou uma série de lives com conteúdos extras no YouTube.
Luciana Santos, professora de inglês e de educação ambiental para os três anos do ensino médio, se inscreveu na formação. Porém, acredita que o conteúdo apresentado era muito superficial. “Muitas vezes focavam muito em horta e reciclagem”, conta.
“Eu tento trabalhar a partir da realidade deles. Quando chegamos com esses temas como Justiça climática ou racismo ambiental, muitos não faziam ideia do que era, então eu tento trabalhar com eles a contextualização”, afirma a docente.
Essa proximidade com a realidade local torna a inclusão do tema mais fácil, ela diz. Falar sobre as diferenças de quando chove no centro de Belém ou em Icoaraci, por exemplo, é uma maneira de fazê-los entender que impactos distintos ocorrem a depender de onde os estudantes estão localizados.
Existem algumas semelhanças na maneira como as docentes percebem seus estudantes. A intenção de, por meio do tema, resgatar a identidade amazônida dos alunos é uma delas.
“Parece que quando a gente fala de Amazônia para eles, eles pensam numa floresta que está longe de nós, e aí a gente tem que fazê-los ter essa tomada de consciência.
Belém está encravada dentro dessa floresta”, aponta Sandra, que logo lembra do clima da cidade: “aqui está um abafado, percebe? é diferente de São Paulo. Esse é o nosso clima amazônico”.
A voz e a vez dos estudantes
Nessa implementação de uma nova disciplina dedicada à educação ambiental – com direito a pontuação, conceito e faltas – as professoras disseram que precisaram estudar e estudar bastante, principalmente por estarem envolvidas em uma aula que é distante da sua área de formação, como é o caso da professora de inglês. Luciana diz que tem aprendido muito e junto com a turma.
Uma característica dos estudantes, principalmente daqueles ligados ao “Espia” é a vontade de produzir. Ione recebe ideias em seu WhatsApp até altas horas da noite. Mensagens que sempre começam com: “Professora, tive uma ideia, mas não sei se é possível” ou “Professora, eu pensei em fazermos assim”.
Os alunos que estão envolvidos no “Espia” se dividem entre os que compartilham informação nas classes, os que gravam vídeos, aqueles que preferem ficar por trás das câmeras, os que fotografam… Cada um decide onde quer contribuir.
As reflexões provocadas pelas atividades ganham caminhos diversos na vida dos estudantes. “A professora Ione trouxe para mais perto de mim essas questões ambientais e eu pude entender melhor como isso afeta a gente, nosso dia a dia ou como vai afetar meus filhos lá na frente”, inicia Lauany Oliveira, 16 anos, estudante do 1º ano, e vice-presidente do grêmio. “As pessoas podem até dizer: ‘Ah, tu ainda não tem filhos, não sabe como é’, mas um dia eu vou ter e eu quero que os meus filhos tenham um planeta”, disse a estudante.
O desejo de Lauany é que seus filhos não sofram com a poluição, o desmatamento e o calor extremo, “porque aqui está muito quente!”. Apesar de não ter filhos – nem ser algo imaginado para seu futuro próximo – ela entende que é algo a se pensar, quando o assunto é crise climática. Por isso, tenta conscientizar seus amigos e outras pessoas pelas redes sociais.
Para além da escola
A professora Ione também procura socializar os aprendizados dos alunos do projeto Espia com outras pessoas. Para isso, levou estudantes da Jorge Lopes Raposo para ocuparem a antiga estação de trem de Icoaraci, que hoje abriga um museu e também serve de espaço cultural. A poucas quadras da escola, Lauany e outros estudantes compartilharam uns com os outros o que descobriram pesquisando o clima, a sustentabilidade e o meio ambiente.
Com apoio da coordenação da escola, Ione organizou dois dias de atividades – que ocorreram durante o período de aula – para que as turmas mostrassem em banners e pôsteres seus aprendizados sobre essas temáticas.
Miqueias Sampaio, de 16 anos, é aluno do 2º ano do Jorge Lopes Raposo. Ele e a colega Sayuri Ramos, de 17 anos, e que também está no 2º ano, estudaram sobre racismo ambiental e fizeram uma breve apresentação para os colegas que passavam em frente à banca montada para a divulgação do trabalho. Ali, eles representavam toda a turma, que havia escrito cartas endereçadas a governadores, prefeitos e ao presidente, chamando a atenção para a necessidade de medidas contra o racismo ambiental.
“É algo bem triste porque todos nós, pela constituição, temos direito a saneamento básico, a viver uma vida digna, coisas que muitas vezes não nos são dadas. As cartas escritas pelos alunos dos primeiros anos são justamente esse apelo para eles olharem para as nossas dificuldades. Assim como percebem os bairros de elite, que possam perceber os bairros mais pobres e mais necessitados”, disse o estudante.
Ione destaca que outro aspecto importante do projeto foi possibilitar que os estudantes descobrissem novos gostos e habilidades. Sayuri, por exemplo, sempre foi uma garota tímida, recorda a professora, mas que aos poucos foi se “enturmando” e hoje não tem problemas em ser filmada.
No evento na estação de trem o projeto ainda ganhou um elemento forte de inclusão. Angelina Braga, deficiente visual e filha de Waldina Braga, que já foi professora no Jorge Lopes Raposo e que hoje atua na secretaria de educação, levou a versão do seu trabalho em braille.
“Não dá para falar de educação sem falar de inclusão. Não é possível falar de educação humanizadora se tu exclui o outro. E educação humanizadora é educação inclusiva. E a gente fala não só da pessoa com deficiência, mas incluir o negro, o periférico, a mulher, a comunidade LGBT+. Eles precisam estar nesses espaços de debate”, afirma a mãe de Angelina.
O evento, intitulado “Diálogos de educação ambiental e climática”, reuniu membros da comunidade escolar, as professoras responsáveis pelo componente de educação ambiental, coordenadores, membros da Seduc e integrantes de coletivos e grupos parceiros do “Espia” como o Greenpeace e a Mandi, organização sem fins lucrativos que faz expedições educativas para mostrar onde rios foram aterrados na cidade, além de realizar processos formativos com professores.
Além da apresentação dos trabalhos, os jovens participaram de uma roda de conversas com convidados das organizações parceiras, mostrando como discussões como essas não precisam esperar a COP para acontecer em Belém ou em outras escolas do país.
Edição: Tatiana Klix
*A pauta desta reportagem foi selecionada pelo 6º Edital de Jornalismo de Educação, da Jeduca e da Fundação Itaú