O que sabemos sobre o uso (e a proibição) de celular nas escolas

O que sabemos sobre o uso (e a proibição) de celular nas escolas
Publicado em 25/09/2024 às 10:35

Um dos debates mais acirrados na educação em 2024 é o uso de celular na escola. No município do Rio de Janeiro (RJ), por exemplo, desde o início do ano, os aparelhos foram banidos por decreto: devem permanecer desligados ou em modo silencioso dentro da mochila, inclusive no recreio. Em São Paulo, o mesmo projeto avança na Assembleia Legislativa. Roraima, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Maranhão e Tocantins também já restringem o uso na escola.

A determinação deve ganhar caráter nacional em breve. O MEC (Ministério da Educação) planeja anunciar um pacote de medidas para conter o excesso de telas na infância, entre elas a proibição do uso de celular em todo o ambiente escolar.

“Nós estamos trabalhando na elaboração de um projeto de lei porque, na nossa avaliação, uma ‘recomendação’ seria muito frágil. Nosso objetivo é oferecer às redes de ensino segurança jurídica para que possam implementar as ações que estudos internacionais já apontam como mais efetivas, no sentido do banimento total”, afirmou o ministro da Educação, Camilo Santana, ao jornal Folha de S. Paulo.

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A medida não é consensual dentro da comunidade educacional. Alguns críticos destacam que o país enfrenta sérios problemas de conectividade nas escolas, como internet lenta e equipamentos defasados. Nesse cenário, o uso do celular pelos estudantes poderia facilitar o acesso a conteúdos pedagógicos.

Há também a urgência em discutir o uso responsável das tecnologias e o cuidado com a exposição de dados pessoais, algo que pode ser abordado de forma mais prática quando os adolescentes utilizam seus próprios dispositivos. Além disso, é essencial ensiná-los a evitar as armadilhas dos algoritmos e a diferenciar informações úteis de desinformação.

Rovena Rosa/Agência Brasil

Por outro lado, defensores das restrições apontam o vício em redes sociais, jogos e, mais recentemente, apostas online. Um estudo da Common Sense Media, organização sem fins lucrativos dos EUA que orienta famílias sobre tecnologia, revelou em 2023 que adolescentes recebem até 237 ou mais notificações diárias, o que certamente prejudica a concentração. “A enxurrada de notificações, somada ao uso do celular durante os dias de aula e à noite, cria uma relação intensa, porém complexa, entre os adolescentes e seus dispositivos móveis”, disse o relatório do estudo.

Consequentemente, não apenas os estudos, mas outras atividades cotidianas são afetadas. Muitos adolescentes relatam sentir estresse pela necessidade constante de se manterem conectados, o que compromete o sono, atividades físicas e interações pessoais ou offline.

O Porvir vem acompanhando de perto a discussão e reúne, abaixo, os principais pontos da cobertura recente:

Consultora de políticas de educação digital do Banco Mundial e conselheira do Porvir, Lucia Dellagnelo integrou o time de especialistas internacionais do Relatório Global de Monitoramento da Educação, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Intitulado “A tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”, o documento identificou que um a cada quatro países já proibiu ou restringiu os celulares nas escolas (confira box ao final deste do texto), mas reforça que os aparelhos eletrônicos devem ser utilizados apenas como recursos na aprendizagem. 

Em conversa com o Porvir em fevereiro deste ano, Lucia afirma que a discussão sobre banir os aparelhos está sendo feita de um ponto de vista superficial, sem que sejam observados os propósitos de ter ou não um celular em sala de aula. “É óbvio que se um celular não tiver nenhuma função educacional ele tem que ser proibido nas escolas, como seriam proibidas quaisquer distrações que tiram a atenção dos estudantes”, pontua.

Neste artigo publicado no Porvir em agosto de 2023, Lucia Dellagnelo comenta o principal argumento do GEM Report 2023: é que o uso da tecnologia na educação deve ser adequado a cada contexto, inclusivo e equitativo, escalável e sustentável.

“Precisa ser definido nos termos da comunidade educativa ao colocar a aprendizagem e o bem-estar dos alunos no centro. A fim de cumprir esse importante papel, será preciso o desenvolvimento de novas competências e habilidades por gestores e educadores, e a criação de estruturas organizacionais que garantam a implementação ágil, eficiente e transparente dos recursos destinados à tecnologia educacional”, escreve.

O cenário envolvendo o uso de celulares no ambiente escolar ainda é bastante nebuloso. Se a gestão decidir bani-los, quais serão os impactos dessa medida? Para discutir esse tema, o Porvir promoveu, em julho, o webinário “Celular em sala de aula: a partir da proibição, quais são os desafios?”.

Participaram do debate a coordenadora do projeto TIC Educação do Cetic.br, Daniela Costa; a diretora da Camino School, Letícia Lyle, que também é conselheira do Porvir, e Luís Laurelli, diretor educacional do isaac, plataforma de soluções financeiras feita para escolas. Relembre:

A conversa destacou a importância de estabelecer políticas sobre o uso de celulares, integrá-los de forma pedagógica, principalmente em contextos de exclusão digital, e promover a conscientização sobre o uso seguro e ético das tecnologias, com foco em combater o cyberbullying.

Além disso, foi sugerida a criação de atividades que incentivem a interação social, a colaboração com as famílias, a capacitação de professores e a avaliação contínua do impacto dessas políticas, além de designar momentos e espaços livres de tecnologia nas escolas.

O uso de celular por parte de estudantes na escola, algo que antes era visto como uma possibilidade para complementar as limitações de conexão à internet e de dispositivos, sofre cada vez mais regulação. 

Em agosto, publicamos os principais destaques da pesquisa TIC Educação 2023, lançada pelo CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), com realização do Cetic.br (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), trouxe como principal destaque que em 64% das escolas de ensino fundamental e médio no país, os alunos podem utilizar o telefone celular apenas em determinados espaços e horários, enquanto 28% das instituições educacionais não permitem o uso do dispositivo pelos estudantes.


Países que restringem ou proíbem o uso de celular na escola
Alemanha: Não há restrições formais, mas a maioria das escolas proíbe o uso de celulares e dispositivos digitais nas salas de aula, exceto para fins educacionais, como mostra o portal Deutsche Welle.

Austrália: Além do celular, a restrição se estende também ao uso de relógios inteligentes, que precisam estar no modo avião (sem conexão à internet) durante o período na escola. O objetivo da política, em vigor desde 2020, é reduzir distrações em sala de aula e melhorar o engajamento dos alunos, informa o departamento australiano de educação.

Canadá: Várias províncias proíbem o uso de celular para o ano letivo de 2024-25. Embora as restrições variem entre as jurisdições, todas têm um objetivo semelhante: limitar o uso de celulares para reduzir distrações nas salas de aula e promover o uso seguro das redes sociais, informa a rede CBC.

Escócia: O governo escocês publicou suas primeiras diretrizes oficiais sobre o uso de celulares nas escolas em agosto de 2024, permitindo que os diretores implementem proibições se acharem necessário, aponta a BBC.

Espanha: Em janeiro de 2024, o país baniu completamente os smartphones das escolas primárias. Atualmente, podem ser usados a partir do ensino médio apenas se o professor considerar necessário para uma atividade educativa, reporta o jornal El País.

Estados Unidos: A proibição está se tornando comum nas escolas dos EUA, com vários estados implementando restrições sobre o uso de dispositivos por crianças durante o horário escolar. A Flórida foi pioneira na proibição do uso de celular na escola. Atualmente, pelo menos 13 estados aprovaram leis ou implementaram políticas de restrição ou proibição, aponta reportagem da Newsweek.

Finlândia: A Agência Nacional de Educação da Finlândia anunciou, no começo de agosto deste ano, a recomendação que as escolas proíbam o uso disruptivo de celulares durante as aulas e também restrinjam o acesso durante os intervalos. Mais detalhes no jornal Daily Finland.

França: A lei de 2018 proíbe o uso de celulares por alunos em escolas primárias e secundárias. Atualmente, o país realiza um teste chamado “pausa digital” que, se for considerado bem-sucedido, poderá ser implementado em todo o país a partir de janeiro. Quase 200 escolas de ensino médio participam do experimento, de acordo com o jornal The Guardian.

Holanda: Desde o começo de setembro, os Países Baixos proíbem o uso de celulares, smartwatches e tablets por alunos de escolas de ensino fundamental e ensino médio. O governo holandês classificou esses dispositivos como “distrações” que reduzem o desempenho acadêmico e a interação social, afirma reportagem do portal DW.

Itália: A Itália foi pioneira nas proibições de celulares nas escolas, em 2007. A lei se tornou mais branda em 2017, mas foi imposta novamente em 2022. A proibição se aplica a todas as faixas etárias, informa o jornal The Guardian.

Portugal: O ministério da Educação português recomenda: para o 1.º e 2.º ciclos (idades entre os seis e os 11 anos), proibição do uso e/ou a entrada de smartphones nos espaços escolares; no 3.º ciclo (12/14 anos), a implementação de medidas que restrinjam e desincentivem a sua utilização. Já no ensino secundário (15 a 18 anos), defende-se que os alunos participem na criação de regras para o uso responsável dos celulares nesses espaços. As informações são do jornal Público.