O que significa IA desplugada e como ela colabora com a educação
Tecnologias baseadas em inteligência artificial podem ser benéficas à educação mesmo em contextos limitados de conectividade. No Brasil, um projeto do NEES (Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais), da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), é responsável por desenvolver um aplicativo chamado “Acompanhamento Personalizado de Aprendizagem” para a correção automática de textos escritos à mão por crianças usando esse tipo de recurso. Com apoio do governo federal, a iniciativa é capaz de gerar um grande banco de redações e avaliações de alunos de ensino fundamental de todo o Brasil.
Em linhas gerais, o aplicativo se baseia na IA desplugada. O conceito foi desenvolvido pelos pesquisadores do NEES e pode ser aplicado a diversos recursos educacionais. Ao oferecer acesso à tecnologia sem a necessidade de conexão à internet ou apoio de uma grande infraestrutura, é possível atender à realidade de muitas salas de aula brasileiras.
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Este foi o destaque da palestra de Seiji Isotani, professor da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do NEES na AIED 2024 (sigla em inglês para Conferência Internacional sobre Inteligência Artificial na Educação), evento que chega à América Latina pela primeira vez é realizado no Recife (PE), com organização da CESAR School.
IA desplugada – acesso para todos
Para que se tenha a dimensão dos desafios para o uso pedagógico da tecnologia no Brasil, das 138 mil escolas públicas, 8,3 mil (6%) ainda não dispõem de acesso gratuito à internet banda larga, e 4,6 mil (3,3%) não têm sequer fornecimento de energia elétrica, de acordo com dados do Ministério das Comunicações.
Especialmente em escolas mais isoladas, a tecnologia tem um papel importante, segundo Seiji. “A tecnologia é essencial para esses locais porque não há professores suficientes. Mas, se queremos dar apoio ao aprendizado nessas regiões, a primeira coisa que analisamos é a infraestrutura disponível”, afirmou.
Diante do cenário de desigualdade no acesso à tecnologia, o pesquisador trouxe projeções de que países de baixa renda levariam quase 100 anos para diminuir a lacuna quando comparados aos países mais ricos.
Outro desafio é dar acesso e oportunidades a todos os alunos. “Talvez não seja necessário dar acesso a todos os alunos diretamente, mas podemos usar um intermediário, como um professor, para ampliar as capacidades do professor com a inteligência artificial. Assim, o professor pode interagir com os alunos e levar a tecnologia a eles.”
O aplicativo
O aplicativo desenvolvido pelo NEES, baseado em IA desplugada, tem acesso fechado e uso liberado apenas para redes de ensino que o implementam. Ele permite tirar uma foto da redação, que é então enviada para análise quando a internet estiver disponível. A inteligência artificial processa o texto, ou seja, entende a letra do estudante, e extrai as informações para oferecer ao professor um painel analítico.
Por mais que a tecnologia seja um limitante, motivo pelo qual o projeto aposta na tecnologia nas mãos de professores, Seiji destaca que a escrita manual deve ser incentivada, especialmente para os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. “Queremos que os alunos desenvolvam habilidades de escrita à mão”, reforçou.
Em conversa com o Porvir após a palestra de Seiji, Carlos Portela, também pesquisador do NEES, descreveu como foi feito o trabalho de treinamento do algoritmo. “Capturamos a redação e mandamos para reconhecimento (por parte do sistema). Foi necessário um esforço grande para fazer essa notação. Existe um padrão de letra, mas tem a questão dos alunos que estão aprendendo. Eles não seguem esse padrão de imediato e, por isso, tentamos fazer um reconhecimento o mais abrangente possível para ter uma base robusta.”
Se nos anos iniciais do fundamental é analisada a criação das primeiras frases, na etapa seguinte, os anos finais, o aplicativo identifica construções mais elaboradas. “Trabalhamos com questões mais complexas, como coerência e coesão textual, além de temas atuais”.
Impacto da IA desplugada
Com esse trabalho, segundo Seiji, está sendo criada uma enorme base de dados de redações em português, com fotos e transcrições. “Oferecemos um painel para os professores e uma plataforma de aprendizado com materiais agrupados de acordo com as dificuldades dos alunos. Trabalhamos com 7 mil escolas, 1500 municípios, 500 mil alunos e 20 mil professores.”
O especialista também aponta o papel da tecnologia na redução das desigualdades sociais. “Notamos que as regiões mais pobres foram as que mais utilizaram a tecnologia. Realizamos uma análise de impacto com 100 mil alunos, observando ganhos de aprendizado e redução das desigualdades, entre meninos e meninas e entre escolas urbanas e rurais. Estamos tentando seguir a mesma abordagem para os desafios relacionados à matemática, detectando onde estão as respostas e analisando o significado dos números”.