Propósito, tecnologia e imaginação: os elementos de inovação na escola
Como uma escola e seus educadores podem se preparar para implementar projetos que atendam a propósitos reais, evitando o “faz de conta”? Este foi o fio condutor da edição 2024 da conferência NSTI (New School of Thought Institute), realizada pela Avenues São Paulo entre os dias 26 e 28 de setembro. Educadores e gestores de escolas públicas e privadas se reuniram na sede da escola, na capital paulista, para explorar novas propostas e exemplos de como cultivar uma cultura de projetos que coloque o estudante no centro de sua aprendizagem.
Ao longo do evento, o Porvir conversou com palestrantes para entender como essas ideias podem ser aplicadas em escolas de diferentes contextos, de modo a melhorar o engajamento de estudantes e apoiar professores com estratégias que vão além do modelo tradicional de ensino pautado por transmissão unidirecional de conhecimento. Para alcançar esse objetivo, os participantes puderam conhecer processos que são aplicados em diferentes níveis pela escola.
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Anne Baldisseri, diretora da Avenues São Paulo, relata que gestores de outras escolas frequentemente expressam a crença de que a inovação só funciona em contextos específicos, como se a receptividade a novas ideias fosse limitadas a famílias e estudantes de centros urbanos como São Paulo, algo que ela contrapõe. “Nas cidades onde estão, sentem que não conseguem inovar da mesma forma, pois os pais preferem uma abordagem mais tradicional e têm receio de correr riscos. Mesmo em escolas com 400 alunos, a conversa com esses pais pode ser mais difícil”, afirma.
Na Avenues São Paulo, essa prática se manifesta em reuniões sobre o uso de inteligência artificial e em eventos onde os professores trocam experiências sobre metodologias pedagógicas inovadoras. Isso também se reflete nas maneiras como os alunos se expressam, como nas variações de cores permitidas no uniforme, ou na participação e liderança de grupos de trabalho formados por pessoas de diferentes áreas da escola.
Aprendizagem baseada em propósito
E como tornar o aprendizado significativo e aplicável? Iniciar uma abordagem por projetos é importante, só que ainda assim é necessário ter atenção para que todo o processo envolva descoberta por parte dos estudantes. É aqui que deve ser considerado um fator importante: o propósito. Respeitar essa diretriz significa atender e considerar a autonomia do estudante ao longo de todas as atividades, sem esperar resultados padronizados.
“Essa é uma questão que queremos desmistificar. Muitas atividades desenvolvidas a partir da aprendizagem baseada em projetos começam com o professor informando aos alunos o que eles devem produzir ao final”, diz Zoltan Sarda, consultor em educação e responsável por cursos de desenvolvimento profissional para professores em diferentes organizações. Ele cita Jeff Robin, educador dos Estados Unidos, um dos fundadores da escola High Tech High, na Califórnia, que faz justamente essa distinção entre aprendizagem baseada em projetos e aprendizagem orientada a projetos. Na aprendizagem orientada, os alunos aprendem tudo o que precisam antes de realizar um projeto, o que muitos confundem com aprendizagem baseada em projetos.
“O importante é oferecer oportunidades para que os alunos aprendam de forma semelhante ao que os adultos fazem em suas carreiras. Normalmente, na escola, o professor define o que os alunos devem aprender, apresenta atividades, e os alunos criam algo que demonstra seu aprendizado”, diz Zoltan.
Ele argumenta ainda que no mundo real, as pessoas não trabalham da mesma forma que na escola. “Estamos enfatizando que a aprendizagem deve ser baseada na resolução de problemas que surgem durante o trabalho”, disse. “Por exemplo, um arquiteto pode já ter algumas habilidades, mas precisará aprender sobre leis de zoneamento, geografia e engenharia estrutural para resolver questões específicas. Queremos que os alunos aprendam da mesma maneira, mas se o professor define rigidamente o projeto, isso limita suas oportunidades de aprendizado prático”.
E desde o primeiro momento, é preciso aceitar diferenças nos resultados, porque estudantes podem estar em diferentes estágios de aprendizado e também se expressar de forma diferente. “A investigação é o que impulsiona a mudança, pois, ao continuar fazendo perguntas, ampliamos o pensamento”, diz Andreza Félix, chefe associada de divisão na Avenues São Paulo. “Nossa equipe tem experimentado isso: dar um passo atrás no processo de busca pela resposta, focando em fazer boas perguntas e repeti-las, transformando-as em problemas. Como podemos fazer com que o aprendizado e as respostas estejam sempre ligados à resolução de problemas, utilizando a investigação como estrutura de aprendizado? Fazemos boas perguntas e, então, o conteúdo surge”.
Tanto Andreza quanto Zoltan defendem também que não é porque uma atividade é prática que ela envolve propósito. Estudantes podem ocupados com atividades e alunos que estão realmente engajados no processo de aprendizagem Tudo isso depende de esforço, conexão entre os conceitos e aplicação prática do conhecimento. A aprendizagem significativa ocorre quando os alunos se dedicam.
E chegar a este resultado demanda tempo. A aprendizagem orientada por propósito exige um investimento de tempo maior do que as abordagens tradicionais, mas os resultados em termos de profundidade de aprendizado e impacto na comunidade justificam esse investimento. E claro, o currículo escolar precisa ser repensado para acomodar essa nova abordagem e a forma com que se avalia com que se avalia as habilidades e os valores que realmente importam no século 21 precisam mudar. É preciso reconhecer e valorizar a experiência prática, a colaboração e a resolução de problemas reais.
Bryan Iversen, diretor de tecnologia da Avenues São Paulo, afirma que o processo de adoção de inteligência artificial em diferentes áreas foi baseado em um diálogo envolvendo professores, alunos e a equipe da biblioteca, discutindo os impactos, benefícios e desafios da IA na educação. Isso para que essa nova geração de ferramentas digitais não seja usada apenas para automatizar tarefas, mas encarada como uma oportunidade para desenvolver pensamento crítico, habilidades de pesquisa e consciência ética.
“Queríamos garantir que (a adoção de IA) se tornasse uma conversa na qual as pessoas pudessem expressar abertamente suas preocupações e fazer perguntas sobre o impacto na sala de aula. Obviamente, a situação era complexa. Pedimos à nossa comunidade que estudasse isso juntos, porque sabíamos que quanto mais pessoas lessem, experimentassem e discutissem, mais conseguiríamos encontrar soluções coletivamente.”
Como próximo passo, ele menciona a necessidade de aprofundar a pesquisa e a educação midiática, de modo a não depender apenas de uma única ferramenta ou resposta da inteligência artificial, mas integrá-la como parte da experiência de aprendizado mais ampla.
Esses processos são traduzidos em práticas como a de Diego Johnson, professor de artes de ensino médio na Avenues São Paulo, que apresentou uma oficina sobre como integrar IA e aprendizagem por projetos. Em suas aulas, descreve o uso dessas novas tecnologias digitais em projeto como “Animatronics”, no qual os alunos, por meio da IA, criam imaginam e desenvolvem próteses robóticas para diferentes “pacientes”, na verdade animais, o que estimula a empatia e o aprendizado sobre biomecânica, design e programação.
Outro exemplo é o projeto “World for Videogames” (“Mundo dos videogames”), que recorre a IA no desenvolvimento de jogos, fomentando a criatividade e o raciocínio lógico. No curso de empreendedorismo, Diego utiliza a IA para auxiliar os alunos na geração de ideias e refinamento de planos de negócios, tornando o aprendizado mais dinâmico e interativo. Já no projeto “World Building” (“Construção de ambientes”), a IA é um recurso para a criação de personagens e cenários visuais, expandindo as possibilidades criativas dos alunos.
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Para professores que ainda estão nas primeiras fases de integração de IA a suas atividades pedagógicas, Diego afirma que a integração entre áreas é importante para garantir eficácia e propósito, o que por sua vez também depende da melhoria da fluência digital por parte de educadores.
“A partir do momento em que o professor reconhece a necessidade de se adaptar, é importante que ele faça isso com um pouco de alegria. Aceitar essa nova realidade e dizer: “Quer saber? Vou me divertir explorando isso!” é fundamental. Não é necessário implementar tudo de imediato; cada um tem seu próprio ritmo”, disse.
“Comece explorando o que você já gosta. Gosta de música? Então, experimente uma ferramenta de criação musical. Se você quiser explorar inteligência artificial, há ferramentas que já geram melodias. Experimente a partir dos seus interesses. Quando há resistência, pode parecer que precisamos simplesmente “engolir o sapo”. Mas não é assim; devemos seguir o que nos atrai.”
Dessa forma, ao começar a exploração, o educador encontrará oportunidades criativas para si e seus alunos. Identificar essas oportunidades permitirá atingir objetivos de aprendizagem com as ferramentas disponíveis. Resultados inesperados podem gerar discussões valiosas, e se a ferramenta de IA entregar tudo muito pronto, Diego recomenda avaliar como integrá-la em um projeto, usando-a como referência, não como o resultado final. É importante definir claramente os objetivos e como incorporar a inteligência artificial no fluxo da aula, além de estabelecer mecanismos de avaliação.
Diego exemplifica esse processo com seu trabalho com Flint, uma plataforma ajuda os alunos a formular perguntas. “Embora isso possa parecer que você está retirando a oportunidade de os estudantes criarem perguntas, a verdade é que o Flint exige que eles expliquem a conexão que têm com essas ideias. Dessa forma, você cria espaço para que eles praticarem a escrita e reflitam sobre a importância daquela pergunta”.
No contexto das aulas visuais, Diego destaca o Adobe Firefly como uma ferramenta de inteligência artificial para a criação de personagens. “Ele gera um personagem completo e colorido, e eu peço que os alunos criem isso como referência. Eles devem modificar essa referência com base na história e no perfil que já elaboraram. Dessa forma, já existe um fluxo; eles criaram uma ideia e usam a inteligência artificial com um propósito claro, não de forma aleatória.”
Para preservar a integridade do propósito pedagógico, o professor enfatiza que o resultado gerado pela ferramenta de IA não deve ser entregue como o trabalho final. “Aquilo é uma referência visual que será utilizada posteriormente no desenho e na pintura digital. O que descrevi é o design da aula ou do projeto: como aproveitar as oportunidades, reconhecer os riscos e criar um plano que maximize o potencial de aprendizagem.”
Inspiração a partir do interesse dos estudantes
Para professores cientes da necessidade de novas estratégias de ensino e ansiosos para inspirar seus alunos, a aprendizagem baseada em projetos também pode apostar em outro tipo de tecnologia: a imaginação dos estudantes, que está presente em todas as salas de aula, mesmo aquelas com recursos limitados e um currículo rígido.
O primeiro passo, segundo educador Kurt Wootton, cofundador do Habla, centro cultural e de formação de educadores que também se dedica ao ensino da língua espanhola em Mérida, no México, “é reconhecer os alunos não como recipientes vazios a serem preenchidos com informações, mas como fontes inesgotáveis de talento e criatividade.” Essa mudança de perspectiva, de acordo com Kurt, é fundamental. Ele encoraja os professores a “repensarem suas salas de aula, não como espaços confinados por livros didáticos e provas, mas como estúdios colaborativos onde a magia da aprendizagem possa florescer.”
Essa jornada transformadora só pode ser percorrida quando educadores começam a observar seus estudantes com novos olhos, reconhecendo as habilidades únicas que cada um traz para a sala de aula – um talento para a música, uma paixão pela dança, uma afinidade natural com a tecnologia. “Como podemos usar esses dons, esses recursos preciosos, para criar algo extraordinário juntos?”, provoca Kurt, que defende que variações dessa pergunta podem ser um mantra para guiar cada decisão pedagógica.
Ele menciona um dos professores que, inspirado pela paixão de seus alunos pelo hip-hop, decidiu usar esse gênero musical como uma lente para explorar as obras desafiadoras do poeta, ensaísta e jornalista estadunidense Walt Whitman (1819-1892). “Em vez de impor uma leitura tradicional”, compartilhou ele, “pedi aos alunos que interpretassem os poemas de Whitman como se fossem letras de hip-hop.”
O resultado foi surpreendente. Os alunos, antes apáticos, se engajaram com entusiasmo, criando batidas, fazendo beatbox (reprodução de sons de bateria e efeitos eletrônicos com a voz, boca e nariz) e até gravando suas próprias versões “remixadas” dos poemas. “Eles não estavam apenas aprendendo sobre Whitman”, observou o professor, “eles estavam se tornando Whitman, canalizando sua criatividade e dando vida à poesia de maneiras que eu nunca imaginei.”
Contudo, o caminho para essa maior liberdade em sala de aula é cheio de desafios. Os professores enfrentaram a resistência de colegas céticos, a pressão de um sistema educacional focado em avaliações e a insegurança de se aventurar em território desconhecido. No entanto, cada obstáculo superado, cada projeto concluído, cada sorriso radiante de um estudante que finalmente desvenda seu potencial torna essa chama mais forte. Kurt reforça que “a educação não é um esporte para espectadores. Trata-se de capacitar os alunos a se tornarem criadores, inovadores, contadores de histórias. Trata-se de ajudá-los a encontrar sua voz e compartilhá-la com o mundo.”
Tomando como exemplo o escritor colombiano Gabriel García Márquez, ele incentiva os alunos a explorar o realismo mágico para criar suas próprias histórias. Sua experiência em Mérida, no México, onde testemunhou eventos cotidianos que pareciam mágicos, com borboletas por todos os cantos nessa época do ano, reforçou sua compreensão do estilo do autor. Inspirados por isso, seus alunos produziram contos com elementos de realismo mágico e paisagens sonoras, demonstrando uma pedagogia híbrida que une literatura e produção sonora.
Kurt enfatiza que essa mudança de perspectiva não se trata de abandonar o conteúdo curricular, mas sim de abordá-lo de forma mais criativa e significativa, aproveitando os talentos e recursos existentes na sala de aula. Para ele, o objetivo não é apenas transmitir informações, mas sim capacitar os alunos a se tornarem criadores, pensadores e participantes ativos no processo de aprendizagem.