Próximos passos da pesquisa sobre inteligência artificial na educação
A cidade do Recife (PE) recebeu na semana passada a maior edição da história da Conferência AIED (sigla em inglês para Inteligência Artificial na Educação), evento internacional organizado pela CESAR School, que reuniu cerca de 515 pesquisadores e interessados no tema que nos últimos dois anos está sob holofotes por conta de sistemas como ChatGPT, da OpenAi, e o Google Gemini.
Além de debates sobre como melhorar a aprendizagem o evento também trouxe experiências de diferentes países que estão trabalhando para melhorar a precisão de tais sistemas que mimetizam interações que até outro dia eram restritas aos humanos.
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Para avaliar o cenário de pesquisa nessa área que hoje reúne uma comunidade de especialistas em educação, ciências da computação, psicologia e neurociência, o Porvir conversou com Olga Santos, atual presidente da Sociedade Internacional de Inteligência Artificial na Educação e professora titular do Departamento de Inteligência Artificial da UNED (Universidad Nacional de Educación a Distancia) da Espanha.
Na conversa que você pode ler abaixo, Olga fala de sua atuação como pesquisadora, dos rumos da AIED e do papel da inteligência artificial como ferramenta para resolver problemas na educação nos mais diferentes contextos, incluindo o Brasil. Uma coisa é certa: os novos modelos de linguagem chamam a atenção de pesquisadores do mundo todo. “Quase metade dos artigos apresentados no congresso referem-se ao uso dos chamados grandes modelos de linguagem ou modelos fundacionais que são a base tecnológica do ChatGPT”, disse a professora.
Porvir – Poderia descrever sua atuação como pesquisadora e os principais focos do seu trabalho?
Olga Santos – Há mais de 20 anos pesquiso o uso da tecnologia, especialmente da inteligência artificial, para melhorar o aprendizado por meio de plataformas de e-learning. Para isso, investiguei como integrar tanto o uso de sensores para complementar as informações coletadas nas próprias plataformas das interações dos alunos, como seu estado fisiológico ou os movimentos físicos que realizam, quanto integrar sistemas de recomendação nessas plataformas para guiar o aluno em seu aprendizado de forma personalizada, conforme suas características individuais.
Atualmente, estou focada no aprendizado psicomotor. Isso inclui ajudar os alunos a melhorar a aquisição de habilidades motoras, como aprender os movimentos na prática de um esporte ou se comunicar em linguagem de sinais. Além disso, busco reforçar o aprendizado de conceitos, como fórmulas de física, utilizando técnicas de artes marciais. Também estou abordando o desenvolvimento de estruturas éticas para garantir o uso responsável das informações coletadas dos alunos. Para isso, aplico o paradigma da inteligência híbrida, que foca na colaboração entre pessoas e sistemas para proporcionar uma solução tecnológica responsável.
Porvir – Como aproximar os resultados das pesquisas da AIED aos sistemas educativos?
Olga – Estamos em um momento crucial na comunidade da AIED e é necessário tirar a pesquisa do laboratório para os contextos nos quais realmente podem ser aplicados sistemas que utilizam a inteligência artificial para a educação, como escolas, universidades e centros de formação, mas também ambientes de aprendizagem menos formais, como a aprendizagem ao longo da vida ou a aquisição de habilidades motoras. Para isso, é necessário estabelecer uma colaboração direta com os responsáveis e usuários desses contextos, de forma que os sistemas da AIED realmente atendam às necessidades de aprendizagem existentes.
Porvir – Como é possível atrair pessoas de diferentes contextos para melhorar o impacto das pesquisas da AIED?
Olga – Acredito que é fundamental transmitir a experiência que temos na comunidade de AIED, baseada no conhecimento adquirido ao longo dos mais de 30 anos que estamos constituídos como sociedade científica. Nesse tempo, desenvolvemos metodologias, marcos de trabalho, guias, entre outros, para projetar, desenvolver e avaliar sistemas inteligentes no âmbito educativo.
Agora que a inteligência artificial na educação está em alta, pois todos conhecem o ChatGPT e opinam sobre suas possibilidades de uso educacional e suas vantagens e desvantagens, precisamos atrair à nossa comunidade pessoas com novas ideias para que enquadrem suas propostas no contexto científico da AIED e unam forças para avançar na pesquisa e melhorar seu impacto na aprendizagem.
Porvir – Quais são os problemas comuns que surgem em diferentes países?
Olga – Cada país e contexto tem suas próprias dificuldades, daí a importância de implementar sistemas de educação que integrem a inteligência artificial, pois ela pode moldar de forma independente as necessidades de cada um desses contextos em geral, e de cada aluno em particular. Em todo caso, podem haver problemas comuns a diferentes países, como a avaliação efetiva do aprendizado, levando em conta esses contextos.
Porvir – Que tipo de projetos surgem a partir da colaboração entre pesquisadores de diferentes partes do mundo?
Olga – No congresso AIED 2024 tivemos a oportunidade de conhecer as pesquisas que estão sendo realizadas em diversos países e vimos que, em alguns casos, são complementares e podem estabelecer sinergias.
Também internamente dentro de um mesmo país, especialmente no caso do Brasil, com um alto número de participantes. Os projetos podem ser de diversos tipos, embora predominem os que se concentram em aprofundar aspectos específicos da pesquisa, principalmente relativos ao uso dos grandes modelos de linguagem, ou os que unem perfis de pesquisadores com contextos educativos onde aplicá-los.
Porvir – Como a chegada de modelos de linguagem como o ChatGPT impactou a pesquisa em inteligência artificial para a educação?
Olga – O impacto foi grande, como pôde ser visto no congresso AIED 2024. Quase metade dos artigos apresentados no congresso referem-se ao uso dos chamados grandes modelos de linguagem ou modelos fundacionais que são a base tecnológica do ChatGPT. O que falta agora é aplicar o rigor científico que caracteriza a AIED para validar a utilidade e a efetividade dos mesmos para melhorar o aprendizado.
Porvir – Quais são os desafios que ainda deseja ver resolvidos, mas que ainda não foram descobertos?
Olga – Acredito que o principal desafio é integrar em uma única solução global os diferentes desafios que são abordados de forma individualizada no campo da AIED, desde a avaliação automática das respostas até a personalização das intervenções que o sistema oferece. Isso passa também por sustentar o compromisso e a motivação dos estudantes, tanto em contextos de aprendizagem individuais quanto colaborativos, que abrangem atividades de aprendizagem cognitivas e físicas, conciliando o aprendizado formal e informal, entre outros aspectos.